quinta-feira, 31 de março de 2011

Homenagem à Maria

Junho de 2007


Vou compartilhar com vocês a admiração por uma pessoa que, embora não a tenha conhecido pessoalmente, me foi apresentada através da mídia há muitos anos atrás: Maria Lenk, uma idosa que desafiava o tempo e as piscinas.
Em fevereiro deste ano de 2007, Maria deu sua última entrevista à imprensa televisiva, aos noventa e dois anos. Uma figura de mulher bela, bronzeada pelo sol carioca, esguia, altiva, magra e firme: uma atleta até o último instante da sua vida. As imagens mais presentes que tenho dela são o seu sorriso fora d’água e seu movimento de respiração enquanto nadava.
Morreu em abril no seu habitat, brincando e treinando nas águas de uma piscina, se preparando para mais um torneio do qual participaria. Deixou-nos como parecia gostar de estar, vestindo um maiô azul marinho de treinamento e uma touca que cobria seus curtos cabelos brancos.
Às vezes quero acreditar que a tenha visto em competição Master de natação no União. Meu desejo me faz lembrar de uma fisionomia, real ou forjada pela memória, que poderia ser a dela. E com isso me sinto especial, pois Maria se tornou um ícone, um exemplo do qual espero nortear meus anos futuros. E é bom dizer, não sou nadadora, embora saiba dar umas que outras braçadas na água e me deslocar de uma borda à outra da piscina. Seu exemplo excede a qualquer percurso e travessia dentro d’água.
Em todas as entrevistas que a vi falando - e apenas acompanhei a sua trajetória a partir da década de seus oitenta anos - a segurança e determinação de seus argumentos eram colocados através de sua voz mansa e por uma meiguice contagiante. Expressava na conversa o que conseguíamos identificar através da sua história: uma mulher de personalidade forte, vinculada à vida com uma intimidade rara. Tinha plena noção de sua finitude, mas não abria mão de seus projetos, sendo estes, sempre recheados com um entusiasmo tranqüilo de quem sabe o que faz e o espaço que ocupa no aqui e agora.
Maria Lenk, aos meus olhos de fã, foi uma vencedora: não apenas por ter sido a primeira nadadora da América do Sul a participar de uma Olimpíada e, mesmo com muitos recordes, nunca ter ganhado uma medalha olímpica.  Ela foi uma estrela, e não apenas por ter criado um estilo de nado reconhecido e adotado posteriormente nas competições - o nado borboleta. Nem tão pouco pelas medalhas que conquistou aos oitenta e noventa anos. Ela foi uma pessoa vitoriosa por ter enfrentado mais do que os desafios da vida, ela foi uma pessoa que soube viver com alegria e intensidade seus objetivos, desfrutar com autonomia e independência as sutilezas da vida, e emprestar a sua figura, assim como a sua história à referência de várias gerações de jovens que aspiraram à vida além do destino imposto.
Provavelmente, esta mulher teve na infância, adolescência e vida adulta gratificações e enfrentamentos comuns de qualquer pessoa de sua condição social e de sua época. Descendente de alemães pode ter sofrido respingos das duas Grandes Guerras Mundiais. Certamente, esteve exposta aos fracassos inevitáveis do decorrer de uma vida, assim como deve ter tido, também, muitos êxitos fora da natação, nas dimensões do pessoal, familiar, social e etc. Provavelmente fora das águas tenha sido uma pessoa comum. Mas já extraordinária. Por quê? Porque tudo está encadeado, e na interação de passado, presente e futuro Maria chegou aos noventa e dois anos com brilho e esperança nos olhos.
Divulga-se que seu início na natação decorreu após a recuperação de uma pneumonia, para se fortalecer. Ouvi, talvez em uma de suas entrevistas, que teria sido porque cresceu muito, e em pouco tempo, e precisava se fortalecer. Mas o que eu sei mesmo é que, apesar dos pesares, quaisquer que tenham sido eles, ela conseguiu ficar forte e se tornou uma figura forte e deu muita força por aí afora.
 Nadou, nadou e nadou muito. Competiu, criou, desbravou e sempre nadando. Estudou e trabalhou e nadou. Casou e nadou. Teve filhos e netos e nadou. Se aposentou e nadou. Sempre mergulhada nas águas, ao longo dos anos, nadou pela vida. Esteve a nadar para se divertir, lutar, mostrar e inovar. Foi modelo de persistência, de beleza feminina e atlética, foi vontade de viver. Nadou e, como se não bastasse, aos noventa anos ainda bateu três recordes mundiais de nado de peito. Essa façanha, para uma admiradora, é simplesmente o máximo: bater o recorde de qualquer coisa aos noventa anos, quando só chegar a essa idade, lúcida e saudável, já é um recorde, não tem mais o que ser dito. No meu vocabulário emocional não encontro expressão para designar a imensa admiração que tenho por Maria Lenk. Ela é minha referência de vida e, não tenho dúvida, de muitas outras pessoas que a conheceram, nem que à distância ou apenas pela mídia como eu.