Estou no auge dos meus cinquenta anos: fisicamente em forma, realizada com as conquistas profissionais, financeiramente independente, separada há anos, filhos adultos, um bom grupo de amigos, vida regrada e, acima de tudo, ou justo por tudo isso, feliz comigo mesma, principalmente por estar solteira e poder desfrutar da vida egoisticamente.
Mas... Às vezes gostaria de trocar minha tão organizada rotina por uma suave aventura e dar uma sacudidinha nas minhas pacatas emoções. E, não é que foi isso mesmo que eu fiz?
Jamais teria coragem de entrar num site de relacionamento, mas, e a curiosidade? Não, não me exporia a uma situação dessas, de ser reconhecida por algum cliente, colega ou amigo, não, claro que não. E a curiosidade? Será??
Conversando com uma grande amiga de profissão, recém separada, no meio do intenso falatório feminino ela me confidenciou que estava se distraindo ao se comunicar com pares encontrados em um site de relacionamento. Fiquei chocada e levemente eufórica. Como assim? Logo tu? Nunca imaginei! Como foi que tu entraste nessa? Como se faz para entrar???
Não que eu quisesse muito, mas, e a curiosidade? E se a minha amiga podia entrar num site de relacionamento, justo esta amiga tão admirada por mim, eu também poderia. Não poderia? E, se ela não temia, por que teria eu que ter tantos pruridos? Depois, minha amiga estava se distraindo e se divertindo, isso seria ótimo para mim também!
A verdade é que eu só precisava de um estímulo e o encontrei. Tão logo pude me fui ao computador preencher o formulário de um site de relacionamento. Naturalmente procurei dar todas as informações solicitadas, porém sempre deixando algo vago para não ser de todo identificada. Pus uma foto de anos atrás com minha imagem distante, falei da profissão genericamente, dos meus gostos pessoais de forma também relativamente abrangente, e torcendo sempre para que o somatório das informações não pudesse levar algum conhecido a minha pessoa. Enfim, estava eu lá, cheia de curiosidade aguardando os possíveis contatos (porque eu é que não os faria, é claro) para conhecer os pares que me fariam rir da situação em que me meti.
Foi assim que parti para minha aventura. Primeiro, fuxicando nos perfis dos candidatos, depois, refutando alguns empreendimentos por demais desinteressantes. Por último, mesmo sendo logo no início das minhas peripécias, acabei por aceitar a iniciativa de uma proposta original e profundamente pouco promissora. E veio logo, diferente da experiência da amiga, o convite ao encontro para um café, chope ou vinho, em algum lugar da minha preferência.
Quem entra na chuva é para se molhar. Até então eu havia resistido de entrar nesse tipo de brincadeira, mas já que estava nela não pretendia fugir da raia, queria ver como funcionava a coisa. Assumi e marquei um encontro para um café em lugar neutro - uma livraria - e num horário também pouco comprometedor - um dia de semana no fim da tarde.
O candidato, bem apessoado na foto, com nível cultural, social e econômico aparentemente semelhante ao meu, parecia ser alguém interessante. E considerando as outras descrições oferecidas no perfil, tornava-se muito mais interessante ainda, porque não prometia ameaçar o destino traçado por mim ao meu futuro – continuar minha vida livre de amarras exercitando o cuidado ao meu próprio nariz. E feliz da vida!
Apesar das características genéricas favoráveis, as restrições ao par - aspectos positivos de proteção - eram: o homem ser fumante, baixo, bem mais velho, e ser um turista pela cidade. Não haveria risco de me comprometer, ele estava teoricamente fora do perfil de preferência real. Eu não poderia querer nada melhor do que isso: um conjunto de quesitos a me resguardar de riscos iminentes, me oportunizando apenas uma nova experiência a partir do exercício prático da vida. Estava adorando meu novo passatempo.
As minhas primeiras impressões logo sofreram um estremecimento, pois para quebrar o gelo – isso só soube depois - ele encaminhou um email antes do encontro, com umas charadinhas que, sob meu ponto de vista, nem criança faria. Tentei responder, mas na verdade fiquei sem graça e sem reação. Pensei: “ isso não vai dar certo!”. Mas já estava combinado e eu não sou de cair fora de compromisso assumido, mesmo que seja algo assim, tão sem sentido prático. Mas confesso, fiquei ligeiramente preocupada: “ai, ai, ai, em que fria será que eu estou me metendo?”
Até aqui eu estava apenas me divertindo com as perspectivas e com a minha audácia. Daqui para frente o meu lado sério começou a pegar gradativamente e passei a encaminhar os próximos passos dentro do meu jeito mais quadradinho de ser. Marcado o encontro, com a definição de lugar e hora, como nos identificaríamos? Ele ainda descontraiu afirmando que teria um detector para me reconhecer. Comecei a ficar insegura, apreensiva e nervosa.
Diferente do café da livraria que eu conhecia de cor e salteado, imaginava o lugar do encontro amplo, com infinitas mesinhas ocupadas, cada qual com um senhor grisalho sentado só. Todos os homens parecidos em suas características e distraídos com livros, olhares vagos, ou bebericando algo como café ou refrigerante. Me via chegando neste lugar um tanto perdida, pondo-me à procura do candidato, olhando para todos os lados e rostos, e, mais constrangedor do que tudo, sendo alvo dos milhares pares de olhos a me encabularem. E na vastidão da cena, nada de identificar algum sinal de reconhecimento do personagem principal dessa história. Eu estava prevendo, isso não ia dar certo! E me questionava: “se eu não o encontrar? Pior, e se eu o localizar, como deverei proceder? O que dizer? Fugir quando, logo no início ou logo depois do início?” Estava começando a não achar mais graça nenhuma nessa brincadeira, isso estava me parecendo ridículo! Por que mesmo eu estava fazendo isso comigo?
A preocupação com o meu vestir veio logo na sequência. Gastei alguma hora pensando nisso. Não queria me enfeitar muito, afinal não estava nem um pouco interessada em que esse encontro evoluísse, mas gostaria de causar uma boa impressão, isso sempre faz bem para a auto-estima da gente. Mesmo sem pretensão alguma, não gostaria de chegar lá e me sentir uma grandalhona perto do cidadão, daí fui catar e escolher algum dos poucos pares de sapatos baixos que tenho. Não sou de muita produção, mas um lápis no olho e um batom na boca me pareceram convenientes. E assim chegou o dia: “pronta, eu estava pronta”. Joguei no corpo um vestidinho preto de manga curta, sem decote e de comprimento à altura dos joelhos, pendurei um longo colar de sementes no pescoço, calcei uma sandália rasteirinha vermelha, carreguei uma bolsa de palhinha modelo primavera-verão na mão, deixei meus cabelos compridos até os ombros soltos, ao estilo levemente desgrenhado, me perfumei toda – não sei direito o porquê – e, com ar totalmente casual, me fui ao encontro um tanto vacilante, mas rigorosamente pontual.
Peguei o carro e me encaminhei direto ao shopping. Estacionei, desci a escada rolante e entrei na livraria. Daí para diante parece que o tempo passou a transcorrer em câmara lenta, e eu não mais caminhava, apenas flutuava entre as infinitas prateleiras abarrotadas de livros. A impressão é que uma suave brisa soprava no meu rosto e contra meu corpo a esvoaçar levemente meus cabelos e a saia do meu vestido. Tudo a minha volta congelou, e simplesmente eu, e só eu, é quem estava em movimento. Dirigia-me ao fundo da loja onde fica o café, mas esse não chegava nunca. Quando me vi próxima do lugar marcado percebi que estava me esgueirando e evitando descortinar a estreita visão já possível do café. Porém, mais alguns passos e as seis mesinhas pularam diante da minha visão, e somente em uma delas havia um homem, que por incrível que pareça, era igualzinho ao da foto, e este direcionou o olhar para mim tão logo apareci. Com a distância gradativamente encurtada a cada novo passo meu, não tive outra reação possível que não a de sorrir para aquele rosto a me fitar e também a me sorrir. Inesperadamente me vi perguntado pelo nome dele, já diante da própria figura. E depois não me lembro de muito mais. Sei que sentei, conversamos, aceitei uma água, conversamos e rimos e conversamos, marcamos um novo encontro e conversamos e rimos um pouco mais, rimos e conversamos por sete longos e brilhantes dias.
E de tão certa que eu estava que nada entre nós poderia dar certo, que me descuidei e me apaixonei, inesperadamente, entre o primeiro e o último encontro - o da despedida. Logo eu, tão feliz sozinha, quem diria??? E, se eu busquei uma sacudidinha nas minhas emoções, levei foi um sacudidão!!!
Agora minha convicção se transformou em ambivalência: temo que o vazio da ausência, gerado pela distância do tempo e do espaço que vive entre nós, liquide com esse sentimento tão gostoso e juvenil que iluminou ainda mais meus cinquenta anos; assim como temo que a presença de alguém na minha vida estreite minha liberdade e descobertas, arrastando o meu prazer ao domínio de um possível egoísmo alheio. Ah, dúvida cruel, o que será de mim? O que fazer com essa danada vida a me seduzir para lados opostos?? Estou apaixonada... E pode?