segunda-feira, 30 de julho de 2012

O encontro



Estou no auge dos meus cinquenta anos: fisicamente em forma, realizada com as conquistas profissionais, financeiramente independente, separada há anos, filhos adultos, um bom grupo de amigos, vida regrada e, acima de tudo, ou justo por tudo isso, feliz comigo mesma, principalmente por estar solteira e poder desfrutar da vida egoisticamente.



Mas... Às vezes gostaria de trocar minha tão organizada rotina por uma suave aventura e dar uma sacudidinha nas minhas pacatas emoções. E, não é que foi isso mesmo que eu fiz?



Jamais teria coragem de entrar num site de relacionamento, mas, e a curiosidade? Não, não me exporia a uma situação dessas, de ser reconhecida por algum cliente, colega ou amigo, não, claro que não. E a curiosidade? Será??



Conversando com uma grande amiga de profissão, recém separada, no meio do intenso falatório feminino ela me confidenciou que estava se distraindo ao se comunicar com pares encontrados em um site de relacionamento. Fiquei chocada e levemente eufórica. Como assim? Logo tu? Nunca imaginei! Como foi que tu entraste nessa? Como se faz para entrar???



Não que eu quisesse muito, mas, e a curiosidade? E se a minha amiga podia entrar num site de relacionamento, justo esta amiga tão admirada por mim, eu também poderia. Não poderia? E, se ela não temia, por que teria eu que ter tantos pruridos? Depois, minha amiga estava se distraindo e se divertindo, isso seria ótimo para mim também!



 A verdade é que eu só precisava de um estímulo e o encontrei. Tão logo pude me fui ao computador preencher o formulário de um site de relacionamento. Naturalmente procurei dar todas as informações solicitadas, porém sempre deixando algo vago para não ser de todo identificada. Pus uma foto de anos atrás com minha imagem distante, falei da profissão genericamente, dos meus gostos pessoais de forma também relativamente abrangente, e torcendo sempre para que o somatório das informações não pudesse levar algum conhecido a minha pessoa. Enfim, estava eu lá, cheia de curiosidade aguardando os possíveis contatos (porque eu é que não os faria, é claro) para conhecer os pares que me fariam rir da situação em que me meti.



Foi assim que parti para minha aventura. Primeiro, fuxicando nos perfis dos candidatos, depois, refutando alguns empreendimentos por demais desinteressantes. Por último, mesmo sendo logo no início das minhas peripécias, acabei por aceitar a iniciativa de uma proposta original e profundamente pouco promissora. E veio logo, diferente da experiência da amiga, o convite ao encontro para um café, chope ou vinho, em algum lugar da minha preferência.



Quem entra na chuva é para se molhar. Até então eu havia resistido de entrar nesse tipo de brincadeira, mas já que estava nela não pretendia fugir da raia, queria ver como funcionava a coisa. Assumi e marquei um encontro para um café em lugar neutro - uma livraria - e num horário também pouco comprometedor - um dia de semana no fim da tarde.



O candidato, bem apessoado na foto, com nível cultural, social e econômico aparentemente semelhante ao meu, parecia ser alguém interessante. E considerando as outras descrições oferecidas no perfil, tornava-se muito mais interessante ainda, porque não prometia ameaçar o destino traçado por mim ao meu futuro – continuar minha vida livre de amarras exercitando o cuidado ao meu próprio nariz. E feliz da vida!



 Apesar das características genéricas favoráveis, as restrições ao par - aspectos positivos de proteção - eram:  o homem ser fumante, baixo, bem mais velho, e ser um turista pela cidade. Não haveria risco de me comprometer, ele estava teoricamente fora do perfil de preferência real. Eu não poderia querer nada melhor do que isso: um conjunto de quesitos a me resguardar de riscos iminentes, me oportunizando apenas uma nova experiência a partir do exercício prático da vida. Estava adorando meu novo passatempo.



As minhas primeiras impressões logo sofreram um estremecimento, pois para quebrar o gelo – isso só soube depois - ele encaminhou um email antes do encontro, com umas charadinhas que, sob meu ponto de vista, nem criança faria. Tentei responder, mas na verdade fiquei sem graça e sem reação. Pensei: “ isso não vai dar certo!”. Mas já estava combinado e eu não sou de cair fora de compromisso assumido, mesmo que seja algo assim, tão sem sentido prático. Mas confesso, fiquei ligeiramente preocupada: “ai, ai, ai, em que fria será que eu estou me metendo?”



Até aqui eu estava apenas me divertindo com as perspectivas e com a minha audácia. Daqui para frente o meu lado sério começou a pegar gradativamente e passei a encaminhar os próximos passos dentro do meu jeito mais quadradinho de ser. Marcado o encontro, com a definição de lugar e hora, como nos identificaríamos? Ele ainda descontraiu afirmando que teria um detector para me reconhecer. Comecei a ficar insegura, apreensiva e nervosa.



Diferente do café da livraria que eu conhecia de cor e salteado, imaginava o lugar do encontro amplo, com infinitas mesinhas ocupadas, cada qual com um senhor grisalho sentado só. Todos os homens parecidos em suas características e distraídos com livros, olhares vagos, ou bebericando algo como café ou refrigerante. Me via chegando neste lugar um tanto perdida, pondo-me à procura do candidato, olhando para todos os lados e rostos, e, mais constrangedor do que tudo, sendo alvo dos milhares pares de olhos a me encabularem. E na vastidão da cena, nada de identificar algum sinal de reconhecimento do personagem principal dessa história. Eu estava prevendo, isso não ia dar certo! E me questionava:  “se eu não o encontrar? Pior, e se eu o localizar, como deverei proceder? O que dizer? Fugir quando, logo no início ou logo depois do início?” Estava começando a não achar mais graça nenhuma nessa brincadeira, isso estava me parecendo ridículo! Por que mesmo eu estava fazendo isso comigo?



A preocupação com o meu vestir veio logo na sequência. Gastei alguma hora pensando nisso. Não queria me enfeitar muito, afinal não estava nem um pouco interessada em que esse encontro evoluísse, mas gostaria de causar uma boa impressão, isso sempre faz bem para a auto-estima da gente. Mesmo sem pretensão alguma, não gostaria de chegar lá e me sentir uma grandalhona perto do cidadão, daí fui catar e escolher algum dos poucos pares de sapatos baixos que tenho. Não sou de muita produção, mas um lápis no olho e um batom na boca me pareceram convenientes. E assim chegou o dia: “pronta, eu estava pronta”. Joguei no corpo um vestidinho preto de manga curta, sem decote e de comprimento à altura dos joelhos, pendurei um longo colar de sementes no pescoço, calcei uma sandália rasteirinha vermelha, carreguei uma bolsa de palhinha modelo primavera-verão na mão, deixei meus cabelos compridos até os ombros soltos, ao estilo levemente desgrenhado, me perfumei toda – não sei direito o porquê – e, com ar totalmente casual, me fui ao encontro um tanto vacilante, mas rigorosamente pontual.



Peguei o carro e me encaminhei direto ao shopping. Estacionei, desci a escada rolante e entrei na livraria. Daí para diante parece que o tempo passou a transcorrer em câmara lenta, e eu não mais caminhava, apenas flutuava entre as infinitas prateleiras abarrotadas de livros. A impressão é que uma suave brisa soprava no meu rosto e contra meu corpo a esvoaçar levemente meus cabelos e a saia do meu vestido. Tudo a minha volta congelou, e simplesmente eu, e só eu, é quem estava em movimento. Dirigia-me ao fundo da loja onde fica o café, mas esse não chegava nunca. Quando me vi próxima do lugar marcado percebi que estava me esgueirando e evitando descortinar a estreita visão já possível do café. Porém, mais alguns passos e as seis mesinhas pularam diante da minha visão, e somente em uma delas havia um homem, que por incrível que pareça, era igualzinho ao da foto, e este direcionou o olhar para mim tão logo apareci. Com a distância gradativamente encurtada a cada novo passo meu, não tive outra reação possível que não a de sorrir para aquele rosto a me fitar e também a me sorrir. Inesperadamente me vi perguntado pelo nome dele, já diante da própria figura. E depois não me lembro de muito mais. Sei que sentei, conversamos, aceitei uma água,  conversamos e rimos e conversamos, marcamos um novo encontro e conversamos e rimos um pouco mais, rimos e conversamos por sete longos e brilhantes dias.



E de tão certa que eu estava que nada entre nós poderia dar certo, que me descuidei e me apaixonei, inesperadamente, entre o primeiro e o último encontro - o da despedida. Logo eu, tão feliz sozinha, quem diria??? E, se eu busquei uma sacudidinha nas minhas emoções, levei foi um sacudidão!!!



Agora minha convicção se transformou em ambivalência: temo que o vazio da ausência, gerado pela distância do tempo e do espaço que vive entre nós, liquide com esse sentimento tão gostoso e juvenil que iluminou ainda mais meus cinquenta anos; assim como temo que a presença de alguém na minha vida estreite minha liberdade e descobertas, arrastando o meu prazer ao domínio de um possível egoísmo alheio. Ah, dúvida cruel, o que será de mim? O que fazer com essa danada vida a me seduzir para lados opostos?? Estou apaixonada... E pode?


quarta-feira, 25 de julho de 2012

Breve vida efêmera



    “... se quiser por à prova o caráter de um homem dê-lhe poder.” (Abraham Lincoln)



Conheço pessoas que se tornam desagradáveis pela simples presença no ambiente compartilhado. Gente arrogante que por conquistar cargo ou situação financeira se convenceu de que Deus foi criado a sua imagem e semelhança. Pessoas prepotentes e intragáveis que creem que o dinheiro ou o status alcançado os preenchem de todos os valores existentes na face da terra e os converte centro das admirações do universo local.

Conheço pessoas vazias que compram companhia e amigos com verdes notas e bebidas, que ingerem lixo e arrotam superioridade. Gente que desdenha o próprio discurso em prol de comportamento vaidoso e narcisista, que se atribui grande poder e total razão para tudo o que faz, mesmo que suas ações sejam incoerentes, desrespeitosas, agressivas, ilícitas e até desumanas. Pessoas intratáveis que, por vezes, se camuflam de gentileza, generosidade, ou até de nobreza para seduzirem vítimas a quem comandarão ou espezinharão.

Conheço pessoas soberbas que ao lerem minhas palavras jamais se reconhecerão nelas, principalmente diante da crença da autoridade maior reconhecida em si, e seguirão a humilhar os outros por imaginá-los inferiores segundo seus exclusivos critérios pessoais.

Conheço pessoas que preferia não conhecer, mas por conhecê-las trato de fortalecer minha personalidade e autoestima, além de administrar a convivência exercitando a tolerância e o perdão. Conheço pessoas que a psicologia entende e explica.  Inclusive, trata...  Se elas quisessem! Se elas pudessem enxergar a efemeridade do hoje e o surpreendente vir a ser do próximo amanhecer.


segunda-feira, 16 de julho de 2012

FRIAGEM



A mágoa é fria, a dor é de frio:

Ossos gelam pelas extremidades

Músculos enrijecem em nódulos

Nariz escorre salgado e purulento

Pele ressecada rasga feito papel

Mãos adormecem em vermelhidão

Olhos congestionados vertem e

Pulmão suga sofrido um pouco de ar.

Cansaço que invade e subjuga.

Desvanecida vida sobrevivente

Luta com alma contra afiada dor

De fria e ventosa solidão de abandonos.

Amor de granizo. Desamor!


sexta-feira, 13 de julho de 2012

Necessário



Assumo desde já que estou ficando careta, incompreensiva, radical, e cada vez mais intolerante ao quesito “uso de bebida alcoólica”.

Tenho verdadeira ojeriza ao ver um adulto embriagado falando com a língua enrolada ou exalando horroroso bafo de bebida; sinto uma grande tristeza ao me deparar com um jovem equilibrando o corpo sobre os pés em falsos por causa do excesso de álcool; assim como uma pena infinita por todos os que perderam a vida em acidentes pela efêmera felicidade promovida pelo álcool.

Abomino o abuso de bebida alcoólica que jovens e adultos e idosos fazem, sem a menor noção do que seja efetivamente “prazer”! Anestesiar o corpo ou maltratá-lo sem mais nem por que não é prazer, é insanidade. O uso contínuo e indiscriminado do álcool acarreta, no mínimo, problemas sociais, afetivos e clínicos. E não pequenos.

Gosto de cerveja e venho aderindo ao consumo de cerveja sem álcool. Gosto pouco de vinho, mas tenho apreciado bastante os sucos de uva, em especial os de uva branca. Espumante para um brinde, sim, um cálice! E uma caipirinha à beira da praia, talvez, talvez.

Diante do exposto, me solidarizo de corpo e alma ao trabalho que algumas de nossas escolas particulares e parte da sociedade vêm fazendo em relação ao álcool e as festas de formaturas de jovens escolares. Hoje existe um “Fórum Permanente de Prevenção ao Uso e à Venda de Bebida Alcoólica por Criança e Adolescente” com objetivo de atuar na prevenção através da conscientização das famílias e da sociedade sobre o problema que já pode ser considerado de saúde pública.

Jovens e crianças tem sido precocemente inseridos e estimulados ao uso de bebidas alcoólicas, e frequentemente com anuência dos familiares adultos. A venda de álcool para menores de 18 anos está proibida, porém “a concentração” antes das festas, na casa dos jovens festeiros, tem sido regada a muita bebida de álcool.

Felicidade e comemoração não são sinônimas de bebida alcoólica; autoafirmação é mais eficiente diante de outros recursos; e alegria pode ser obtida e com bastante êxito pela liberação de endorfina. Então, que as pessoas festeiras aproveitem para dançar e conversar muito. E os tímidos, não ingiram álcool, respeitem-se no jeito de ser e vão se soltando devagarzinho.

Precisamos mudar, necessitamos evoluir, devemos agir. E aqui, falo por mim:

Quero álcool zero no trânsito. Quero adolescente bebendo refrigerante em festas. Quero pais conscientes de suas responsabilidades diante da necessidade de impor limite ao jovem. Quero adulto sendo modelo de alegria e felicidade desassociando as emoções positivas ao condicionado uso de bebidas alcoólicas. Quero ser referência de saúde e bem estar aos jovens do meu pequeno universo. Quero fazer a minha parte contra os prejuízos e sofrimentos testemunhados decorrentes do uso descomedido do álcool. Quero me somar a essa campanha de restrição total do uso de álcool nas festas e pré-festas de crianças e adolescentes.

Defendo a mudança profunda. Sim, estou sendo radical, mas é necessário!




quarta-feira, 11 de julho de 2012

CARA



Carapaça  guarda  corpo  esconde  a  cara
Quando  a  cara  passa  de  simplória  cara
À  cara  de  pau  rija  que  não  amassa,  mas
Traça  e  trapaça  com  olho  no  olho  da  cara


Do  cara  em  Senado,  na  cara  encenada!!



segunda-feira, 9 de julho de 2012

Trabalho de Conclusão de Curso




Final de semestre. Ufa!


Os formandos universitários aliviados com a entrega e diante da aprovação de seus TCCs (Trabalho de Conclusão de Curso) estão prontos para ingressarem no mercado de trabalho nas profissões escolhidas. Penaram em projetos e pesquisas, revisões bibliográficas e conclusões, e muitos deles surpreenderam as bancas avaliadoras com trabalhos belíssimos e dignos de destaque, sugerindo carreiras promissoras aos dedicados estudantes.


Li alguns TCCs de alunos da Educação Física da Unisinos, dos quais pincei um, dentre os bons trabalhos vistos, para comentar e prestigiar, embora o tema não se relacione diretamente ao que me dedico. Mas a rede da vida interliga todas as nossas questões.


Natália Coelho analisou o uso de jogos tecnológicos com relação ao desenvolvimento motor da criança dos primeiros  anos escolares. Considerando  que a tecnologia absorve tempo e atenção, e  muitas vezes é tida como  vilã, o estudo quis saber a influência do entretenimento no desenvolvimento motor da criança.  Constatou que o uso frequente da tecnologia, por si só, não prejudica a aquisição de habilidades motoras fundamentais como correr, saltar, arremessar, rebater, chutar e outras, pois as crianças também brincam em espaços abertos tanto em casa como na escola. Porém, identificou a preferência por parte de pais pelo exercício de atividades calmas para os filhos, visando que eles não se machuquem, adoeçam ou se agitem demais, além de que  fiquem ao alcance dos seus cuidados. Percebeu também que há raros profissionais da educação física nas escolas públicas nos anos iniciais do ensino fundamental. Assim sendo, o amadurecimento motor cumpre-se, embora as crianças apresentem desenvolvimento motor em estágio inferior ao esperado para a idade. Natália concluiu que a atividade física merece  maior atenção dos gestores da educação, e  real conscientização para a importância do desenvolvimento motor à  saúde do homem.


E a curiosidade é que a cultura do futebol efetivamente se evidencia, pois chutar é a habilidade que as crianças apresentam o maior índice de desenvolvimento.


A Natália está de parabéns, realizou excelente trabalho. E mais, o estudo suscita reflexões e questionamentos. Sem me estender nem me aprofundar, faço aqui algumas breves e simples perguntas, e as deixo voar à sua direção:


Qual a importância de saber correr, saltar, arremessar, rebater, chutar e outros para o desenvolvimento do indivíduo e seu futuro?


Horas dedicadas ao corpo podem prejudicar as aquisições intelectuais e o acompanhamento da evolução tecnológica?


Quais os cuidados que devemos ter com o nosso corpo para evitarmos machucados e doenças?


Por que um educador físico se justificaria na vida de criança tão pequena? Na vida dos adolescentes? E na vida do adulto? Do velho, também? Por que pensar em um profissional da educação física acompanhando a nossa trajetória evolutiva?


Poderia ir muito além, mas o que me intriga, mesmo, é por que o Estado dá tão pouca importância à formação integral da população sob seu cuidado, se isso é dever, é prevenção, é saúde, é economia, é humanidade?


        



quinta-feira, 5 de julho de 2012

Gira revira volta



A vida dá voltas, mas... Quantas são as voltas que a vida dá?

A Terra anda em torno do Sol assim como a Lua gira em volta da Terra. E todos em movimentos de rotação e translação. Há mais de século sabemos que a rotação da Terra é de 24 horas, a da Lua é de 27,3 dias e a do Sol de 30 dias. Conferi que a translação da Terra no espaço sideral é de 365 dias 5 horas 48 minutos e 45 segundos, e que a cada ano civil desconsideramos 6 horas do período de translação, corrigindo o calendário a cada 4 anos com  o acréscimo de um dia , o chamado ano bissexto.  Certifiquei-me que a translação da Lua dura os mesmos 27,3 dias da sua rotação, e que a translação do Sol é de 2,2 x 10 na potência 7 de anos.

A vida da gente dá voltas, mas... Quem sabe calculá-las, quem pode projetá-las?

 Maria é dona de uma história de muitas voltas. E de uma grande reviravolta. Há poucos anos fui apresentada a uma idosa linda de cabelos arrumados, sorriso meigo e um brilho tranquilo nos olhos protegidos pelas lentes.

Ela teve o pai falecido na infância, e a mãe firme, corajosa e forte conseguiu dar conta dos muitos filhos pequenos saindo do interior para trabalhar na Capital. Maria era de temperamento alegre, tímido e tranquilo. Ajudou a cuidar dos irmãos, estudou para professora e começou a trabalhar com 18 anos. Não era bela, mas tinha lá os seus encantos. Apaixonou-se e casou no início da vida adulta. E foi aí que começaram os seus maiores problemas, coleção de sofrimentos com a saúde, com o marido, com os filhos, e com os sonhos interrompidos. Problemas mal administrados e carregados pela vida inteira.

Dócil, Maria não se impunha diante da família que se entremeava na privacidade do casal. Insegura submetia-se às impertinências e exigências do marido, homem irritadiço e impaciente. Sem autoridade era facilmente dominada pelos filhos que transgrediam todos os limites. E com a saúde frágil desde a gravidez, passou a ter problemas para se locomover. Expôs-se a tratamentos longos e ao uso de auxílio para caminhar após grande período em cadeira de rodas, o que a obrigou desde logo deixar o trabalho do qual gostava tanto.

Um filho abandonou a casa; o outro impôs a separação dos pais. O ex-marido frequentemente alcoolizado passava a atormentá-la. Os anos foram seguindo e a doença se agravando. Tomava muitos remédios, inclusive para depressão. Pouco saía assim como pouco fazia. A vida passou e se gastou numa tristeza crônica, desenhando os anos melancólicos vindouros.

De repente, por uma reviravolta inexplicável, Maria acordou do pesado drama. Maria rebelou-se e quis redefinir o futuro. Posicionou-se mais exigente em relação ao trabalho de fisioterapia que fazia há muitos anos, chamou um psicólogo para desatar os nós presos na garganta e no coração, e decidiu surpreender-se fazendo da condenação de um final de vida infeliz, o renascer de uma mulher determinada em busca da própria felicidade.

Harmonizou-se com os filhos e conseguiu dar suporte aos adultos de meia idade atrapalhados com suas vidas.  Esforçou-se para caminhar, e às gradativas conquistas passou a se machucar menos. Desejou cozinhar as receitas que acumulou nos anos de inação. Decidiu que precisava mais de sol e de ver o céu à noite iluminado pelas estrelas. Dos contatos exclusivamente telefônicos, passou a marcar encontros com antigas amigas em casa e a aceitar sair com as jovens parentas.

Conheci Maria aos 75 anos dançando. Ela usava bengala para dançar e se apresentar àquele público boquiaberto com os harmoniosos movimentos de rotação e translação de Maria. Entre os outros idosos, numa coreografia própria a eles, Maria e bengala deslizavam graciosos em suaves passos a parecerem um par.