acervo pessoal
Violeta e quase todo o pessoal da repartição foram convidados ao
grande evento do ano: o casamento do Fabrício, realizado numa cidade do
interior há quase 500 km da capital.
A mobilização foi grande, uns foram de carro, outros de micro ou
ônibus intermunicipal. Os colegas foram chegando aos poucos e compareceram em
peso ao casamento.
Por problemas ocorridos na estrada, Violeta acabou chegando ao hotel
à uma hora da cerimônia. Tomou um banho rapidíssimo e correu ao salão, onde já
a aguardavam para fazer o cabelo e a maquiagem. Planejou tudo. Contratou o
serviço de beleza à distância, cuidou com esmero do vestido e sapato, levou as
joias certas para a composição. Queria ficar bonita, discreta e chique. Violeta só queria arrasar. Simplesmente arrasar!
Embora apreensiva pelo atraso, estava com o espírito alegre. Enquanto
um rapaz fazia o cabelo, uma moça fazia a maquiagem. Orientados, os
profissionais trabalharam com agilidade, e, por isso mesmo, Violeta não pode
acompanhar as ações pelo espelho. O tempo era exíguo e tudo tinha de ser feito
muito rapidamente.
Em menos de 30 minutos a dupla encerrou os serviços. Ainda
faltava à Violeta vestir-se e dirigir-se à igreja, a poucas quadras do hotel. Ao
abrir os olhos mirou-se no espelho. Violeta perdeu o ar. Foi um arraso. Violeta ficou
completamente arrasada com o que viu. Quis falar e a voz não saiu. Abriu a
bolsa, pagou e saiu voando como entrou, correndo ao hotel que ficava quase ao
lado do salão de beleza.
A vontade de chorar quis se manifestar, mas nem tempo para isso
não tinha. Entrou no quarto, olhou-se mais uma vez. Arrasada! Estava
profundamente arrasada. Faltavam poucos minutos para o casamento começar, não
daria tempo para tomar outro banho e desmanchar aquilo tudo para começar de
novo. Quem sabe desistisse de comparecer? Inventasse um mal estar repentino?
Violeta remexeu um pouco no cabelo, esfregou os dedos sobre a
maquiagem para suavizá-la, e vestiu o belo e esvoaçante vestido longo azul
turquesa. Colocou a gargantilha e os brincos de brilhantes, calçou as sandálias
de saltos imensamente altos, e, segurando o choro, saiu apressadamente fechando
a porta do quarto atrás de si.
Enquanto descia pelo elevador totalmente espelhado, via refletida
em várias imagens a sua tragédia. Os cabelos foram parcialmente presos ao alto
da cabeça, ficando o restante solto sobre os ombros e em cachinhos. O penteado era
completamente juvenil; só faltava um laço de fita para completar o quadro da
dor. A maquiagem, extremamente pesada sobre a pele flácida e cansada da mulher
de meia idade, repuxava e acentuava as marcas de expressão, vincando a pele em
rugas antes totalmente discretas. Violeta olhava-se em um e outro espelho, querendo
fechar os olhos sem conseguir, e via-se sempre em lamentável figura.
No saguão do hotel ainda encontrou alguns amigos que a esperavam
para saírem juntos. Ao vê-los, Violeta em desabafo, manifestou a decepção com a
sua produção. Os colegas a incentivaram, até elogiaram, mas Violeta seguiu sem
entusiasmo, querendo distrair a atenção com qualquer coisa que não fosse ela
mesma.
A cerimônia começou. Linda. E Violeta chorava garganta adentro,
engolia as lágrimas apertando suavemente os lábios. Diante das máquinas
fotográficas procurava esquivar-se, virava o rosto para qualquer outro lado. Após
o perfeito e cativante ritual da igreja, todos se dirigiram à festa em salão
próximo, belissimamente decorado. E a festa realmente aconteceu com diversas
atrações, e agradavelmente bem servida. Violeta procurando sorrir, só viu no vinho
a esperança de aproveitar um pouco do encantamento a sua volta.
Toda e qualquer homenagem aos noivos, ou realizada pelos noivos,Violeta chorava copiosamente, as lágrimas pulavam dos olhos e eram delicadamente
secas com o grande e alvo guardanapo da mesa. Chegava a ser comovente tamanha
emoção. Porém ninguém imaginava que o choro devia-se a outros motivos, Violeta
estava triste e frustrada. Arrasada, mais especificamente. E ela só queria
arrasar... Ora, ora. Estava sentindo-se a própria expressão do horror.
Gentilmente o garçom servia o maravilhoso vinho frutado, talvez
chileno, com eficiência ímpar. Parecia que ele havia percebido as intenções de
Violeta de escapar da tristeza por essa via.
Levemente estonteada pela bebida, bem mais alegrinha e
descontraída, Violeta animou-se a dançar; naturalmente sem esperança alguma de ter
um par a acompanhá-la. Onde quer que ela fosse, o jovem garçom a encontrava e a
servia com presteza. Violeta já sorrindo à toa, olhou nos olhos verdes do rapaz e
disse: “assim eu vou ficar tontinha”. Ao que o garçom, sorrindo com ar maroto,
respondeu: “mas é essa a intenção”.
Se isso era bom ou não, ela não sabia, mas teve efeito de aliviar
a pressão negativa sobre a autoestima. E Violeta mais solta dançou, conversou, e
lá pelas tantas até um par arranjou. Vejam, só. Dançou acompanhada por um
rapazote com idade para ser seu filho. E ele parecia não se importar. E ela não
quis se importar. E dançou até que, antes que fosse tarde demais, Violeta achou
melhor voltar ao hotel.
Correu para acompanhar os amigos que saiam naquele momento. E, para
melhor caminhar, já na calçada, Violeta tirou dos pés as altas sandálias. Carregava
nas mãos a bolsa, a lembrancinha, os calçados e algumas flores, mas chegou ao
hotel segurando as miudezas e apenas um pé da sandália. Voltou, vasculhou o
percurso, e nada de encontrar o pé faltante. Sentou-se exausta no sofá do
saguão do hotel, ao lado de um amigo solidário. Sem palavras, lado a lado,
ficaram por minutos ali parados. Inesperadamente, sentiu no rosto um gostoso e
carinhoso beijo. Reanimada Violeta se levantou, sorriu e se foi em paz. Feliz. Apesar
do cabelo, da maquiagem, da falta da sandália, da tonturinha... Os noivos
mereciam a felicidade de todos pela transbordante felicidade que exalavam.
E Violeta, arrasadoramente arrasada, talvez tenha arrasado, não como
desejava arrasar, mas de alguma outra forma de arraso, sem que o tenha sabido
ou percebido. Talvez ela tenha arrasado no próprio jeito de ser. Assim ela julgou
e foi melhor acreditar.