Procurei, ah se procurei, mas nada de achar a tal de
inspiração. Simplesmente ela fugiu levando consigo todas as boas e médias
ideias que costumavam esvoaçar no meu pensamento em suaves movimentos de plena discrição,
quando não, que gostavam de se mostrar em maravilhosas e estarrecedoras avalanches
criativas. A inspiração levou também as lindas e bem colocadas palavras que
enfeitavam as ideias produzidas em textos. Lamentavelmente, hoje, carrego um
oco na cabeça e outro maior ainda no peito. Acho que vou morrer, sim, tenho
esse mau pressentimento, inclusive, nesse exato momento, eu acho que já estou
morrendo, porque sem inspiração, com certeza não há vida em mim.
Sinto a alma se apagando silenciosamente, o corpo amolecendo
a perder o viço, e a tristeza em metástases galopando à falta de esperança. Mas
nunca fui covarde, e não há de ser agora que vou deixar tudo de mãos beijadas
ao vazio de mim mesma. Ah, não vou mesmo. Lutarei contra a falta de fluxo, escreverei
mesmo sem um pingo de inspiração, sem ideias e palavras bem arranjadas. Escreverei
deixando os dedos dedilharem o teclado, mesmo que seja para se queixarem da
falta de assunto. Deixarei as palavras se organizarem ou se desorganizarem ao
bel prazer, para depois lhes conferir o intento, se houver algum. Escreverei e
escreverei e escreverei até meu último suspiro. Até que eu encontre a paz!
Mas, os dedos estão em polvorosa, dizem que são operários,
soldados, e precisam da voz de comando para trabalhar. Eu mandei que escrevessem,
mas eles querem saber exatamente o que devem digitar. Como resolver a questão
se as ordens específicas sumiram com a ausência da inspiração? Além disso, ai, a
cabeça oca começa a dar sinal de vida latejando compassadamente, ai, temo que nela
as batidas virem batucada. E olha só, para tumultuar a situação já crítica, o
oco do peito se expande a vazios maiores. Isso estará aumentando o movimento de
vida ou o de morte? Será uma reação de susto diante da provável confusão entre
a minha exigência da escrita a qualquer custo e a reivindicação dos dedos por
um líder que os instrua? Na contrapartida, a tristeza que se alastrava como
veneno, atordoada com o reboliço a se instaurar, brecou o andar e se pôs a
observar. E no puxa e empurra do escreve qualquer coisa, a falta de esperança que
galopava feito amazona ávida, caiu do cavalo perdendo os sentidos, todos os
sentidos de sua existência, ao bater com a cabeça numa pedra.
Assim, através da coragem de insistir, do poder da
contradição e do inexplicável, o oco da cabeça virou hematoma na queda do
cavalo, e o do peito se transformou em ansiedade. A ausência de um líder, com
autoridade para a criação e a execução da arte, gerou o movimento das partes à cooperação solidária, levando as palavras ditas e desditas a se fazerem
dizer efetivamente. E a falta de inspiração, ou era de esperança? Enfim, uma ou a outra, sem os devidos sentidos, desprezou a ‘falta’ e
permitiu a inspiração espiar, sabe-se lá de onde, e palpitar nessa escrita. E dessa forma, apesar de tudo e contra todas as evidências, esse texto foi redigido. Porém, se ele ficou bom é conversa que a gente pode ter
em outra ocasião; o que sei, agora, é que o vazio da paz eu não encontrei pelo
caminho trilhado, e bem da verdade, nem desejo encontrá-lo tão cedo. Ainda não! É, eu brigo, mas não cedo. Escrevo.