domingo, 27 de janeiro de 2013

O sapo


O destino e a própria Elenita pregaram uma peça a ela. E das grandes.
Foi numa saída com suas amigas para festejar a solteirice que Elenita tropeçou no sapo. A juventude e a vida adulta voando velozmente pareciam ter pressa para entrar na meia idade. E antes que fosse tarde ela quis curtir a vida. Olhou o sapo e se engraçou com ele, achou-o simpático. Ela percebeu que o sapo era tão somente um sapo, e mesmo assim quis sonhar e sonhou na transformação do sapo em príncipe encantado.

Conversou, beijou, acariciou o sapo e ele continuou sendo sapo. Elenita ensinou o sapo a dirigir, fez o sapo fazer faculdade, conseguiu um bom emprego para o sapo e ele sempre e apenas um sapo. Elenita investiu o mundo no seu sapinho e ele nunca se transformou em algo que não fosse o sapo que era. Só que agora o sapo tinha um pouco mais de recurso para brincar o seu brinquedo preferido: seduzir bobinhas e bobonas. Ele sabia que, assim como Elenita, havia muitas outras mulheres acreditando no conto de sapo virar príncipe. E ele adorava brincar de virar príncipe. Muitas vezes ele até acreditou ser príncipe de verdade, pois um monte de bobalhonas o faziam crer nisso. O sapo era muito vaidoso!

Elenita e seus esforços não conseguiram transformar o sapo em príncipe, mas sim em um grande encosto. Ele não amava Elenita ou alguma outra mulher, ele não sabia e nem nunca aprendeu a amar. O sapo estava satisfeito com a boa vida ao lado de sua benfeitora. Porém, a certa altura, a tonta da Elenita acordou e viu que seria irreversível: sapo é sapo. E príncipes encantados não existem. Ela não aguentava mais o maldito sapo, sabia que ele nunca seria mais do que aquele sapo nojento gosmento melequento e falso, mas não conseguia se desfazer da maldição daquele miserável. Ela tentou desprendê-lo, sacudiu-se da cabeça aos pés, fez terapia, mudou-se, rezou todas as preces, fez promessas e mandingas. E nada, o sapo estava agarrado grudado com cola hiper superpotente.

Ah, coitada da Elenita. Queria livrar-se do sapo que em tempo algum seria príncipe, ou qualquer coisa além de sapo com pequena e tênue camadinha de verniz. Demorou, mas ela entendeu: o sapo também sonhou com o principado e não aceitaria, jamais, um dia não se tornar príncipe. Ele olhava-se ao espelho e via o príncipe que desejava ser, ignorando a cara e os modos de sapo que tinha. Assim sendo, Elenita sem recursos nem novas ideias, relaxou e deixou que o sapo saísse à procura de outra tola que acreditasse nos contos-da- carochinha, e o quisesse como sendo seu, um sapo futuro príncipe.

Foi dessa forma que Elenita livrou-se do mal. Ufa!

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

NA DÚVIDA



Eu não sei se Deus existe,
mas desejo que Ele dê em dobro
àqueles que me fizeram o bem,
e o triplo àqueles que me fizeram o mal!
 
 
 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Presente


Procuro o lugar mais alto do pensamento.

Sento numa pedra redonda em cima do morro e miro a cidade assentada por detrás do matagal - lembrança da infância. Busco na memória o meu passado. Mexo e remexo e encontro imagens congeladas, instantes gravados como em fotografia, trazidos comigo e eternizados pela magia dos sentimentos.

Pouco me lembro do meu passado, por isso, quando não lembro eu invento. Acho que mesmo quando lembro, eu também invento. Os fatos não são como eles ocorreram – nunca - eu sei.  Cada um vive o fato de um jeito - o seu! E os fatos personalizados são entendidos e guardados conforme a bagagem, o ângulo e as circunstâncias individuais.  

Assim, os fatos resgatados pela minha memória (ou serão pelo coração?) são como eu os vivenciei lá atrás, e agora estão reeditados, provavelmente, como necessito que eles reapareçam. Talvez, momentos forjados e ajustados por interpretações longínquas e atuais em plena composição, a fim de satisfazer necessidades incógnitas, pueris, insânias, afetivas, e sabem-se lá quantas mais!

Busco espiar o meu passado, mas ele está guardado e não se abre a qualquer apelo. Porém, eu o sinto presente me presenteando todos os dias com o dia presente.

Penso. Será preciso eu envelhecer mais, um pouco mais. Dizem que na velhice a gente custa a lembrar do passado recente, mas na contrapartida o passado mais antigo vem fácil, dançante no sopro do vento de outono, que canta o colorido do céu e das folhas em nuances. Eu quero envelhecer mais, muito mais, e redescobrir novos e antigos passados, e ainda descobrir o presente edificando-se rumo ao futuro, obscuro, coberto pelo manto branco da neblina, instigante. Eu aspiro envelhecer até que minha história fique com as páginas amareladas acompanhando a vida que mora no tempo que se vai.

Tenho milhares de projetos para o futuro e temo a falta de tempo para tudo que almejo fazer. Sei que o tempo que há de vir existirá na sequência de um, e mais um hoje, e ele virá calcado nos perdidos dias de ontem, experiências dramáticas e apaixonantes escondidas nos porões do meu ser para serem lembradas e narradas quando eu envelhecer um pouco mais.

Desejo muito me ter, me ver futuro adentro. E, certamente, lá eu estarei e bem além das previsões, contando histórias criadas e recordadas. Sobrevivente dos terríveis temporais da vida cotidiana, sempre atenta aos relâmpagos e trovões da existência, pois eles me encantam e me assustam e me ensinam e me desafiam e me fazem sentir viva diante da beleza e da força. Vida.

Passado inventado, futuro projetado. Ambos entrelaçados pelo imponderável e admirável presente. Meu grande presente! Nada de nostalgia, nada de ansiedade, apenas o imenso prazer por estar viva. Presente dos céus.


Clicada por Rosa Helena

sábado, 12 de janeiro de 2013

Mais, bem mais

      Por Rosa Helena


O veraneio começou com dias ensolarados e quentes, com o mar tranquilo e nem tão marrom como estamos acostumados. Tudo exalando otimismo ao novo ano e nos seduzindo ao prazer. Assim, faceira, fui à praia dar uma caminhada, sentir os pés afundarem na areia fofa, molhá-los nas ondas geladas do mar, e olhar a movimentação das pessoas na beira da água.

Saí do centro de Capão da Canoa na direção da plataforma de Atlântida. Lamentavelmente, o que mais chamou a minha atenção foi uma quantidade de lixo jogado no chão, muito dele plástico e parcialmente soterrado pela areia molhada. Eventualmente também vi latas de cerveja e refrigerante pelo caminho.

Fiquei indignada. Quanta falta de consciência das pessoas com a nossa praia, com os nossos peixes, com o nosso meio ambiente! Pobre natureza que tão ligeira vai se transformando em um grande lixão.

Gostaria de ter levado um saco para ir juntando o lixo, mas saí de mãos abanando. Gostaria de me distrair deste lado feio do passeio, mas meus olhos foram atraídos, como por imã, a todo lixo na areia. Pensei em pedir um saquinho e minimizar com a degradação do meio por onde circulo, recolhendo um pouco daquele lixo. Mas, não tive coragem. Com meus pensamentos em conflito, cheguei à plataforma. Dei meia volta e comecei meu retorno para casa. Na virada do rumo, tomei minha decisão.

Sem constrangimento fui juntando os lixos do chão e acomodando-os na mão. Penso que as pessoas em volta nem notaram. A mão foi ficando pequena e passei a carregar o lixo com as duas mãos. O volume aumentou e se tornou muito visível, e quanto mais visível era o lixo que carregava, mais invisível eu parecia ficar diante dos que passavam ou cruzavam por mim. E quanto mais translúcida eu me tornava aos olhos dos outros, mais firme me sentia no caminhar e juntar os lixos da areia.

No meio do percurso encontrei um velho guarda-chuva preto, todo destruído, que arrastei junto comigo, além de uma tampa plástica de uns 30x30cm. Difícil foi acomodar tudo em minhas mãos, por isso, algumas vezes tive de parar para ajeitar e melhor carregar aquela extensa bagagem. Ninguém olhou para mim, ninguém me viu. Nem os conhecidos me viram, só eu a eles. Passei incólume de qualquer olhar. Ninguém me enxergou, nem para fazer ironia ou gesto de solidariedade. Simplesmente: nada!

Ignorada em meio ao montão de lixo que conduzia, eu me senti crescendo como se estivesse numa passarela, toda bela, desfilando minha rebeldia aos pobres de espírito que desprezam o cuidado com o próprio meio, e, deste jeito, vão apodrecendo ou permitindo apodrecer o mundo que deixarão de herança aos amados filhos.

E lá me fui eu, uma mulher de meia idade - vestida com discreto biquíni, protegida por óculos de sol e chapéu sobre o cabelo trançado, enfeitada com batom rosa na boca e brincos de pingente - com as mãos lotadas de lixo. Fui caminhando orgulhosa, poderosa, juntando, um a um, o lixo dos ignorantes que deixam seus rastros de sujeira onde quer que passem.

Será que alguém pensou que eu era uma ecologista maluca e radical que quer afrontar a sociedade com atitudes provocativas? E perturbar o descanso merecido de trabalhadores que pagam seus impostos em dia?  Será que alguém pensou que a desvairada era realmente eu? E não os que se permitem desfrutar das férias sem ordem e sem lei, alienados e sem atitudes, sem uma mínima preocupação com a saúde do mundo em que vivemos? E, por conseguinte, com a sua própria saúde?

Mas qual nada, ainda tenho muito que aprender até chegar ao estágio da consciência superior. Hoje sou apenas uma pessoa atenta às coisas do mundo, querendo melhorar-se e as condições da vida. Mas, tenho lá as minhas pretensões. Ah, sim, eu tenho!

E já tracei metas para o ano que se inicia. Eu farei mais, bem mais!

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

AMADO FILHO



Já sinto falta da meiga e silenciosa companhia tua


Do menino que renuncias para homem te tornares.




Solto e curioso estas no teu ir e vir rumo ao futuro


Em pensamento seguirei os rastros do teu caminho



Contigo sorrirei as vitórias e chorarei as derrotas


Saudosa do presente que se transmuta rápido em passado.

 

Querido filho amado,

Aqui deixo meu recado:

Jamais te abandonarei,

Não me desampares jamais!

Sinto falta do teu silêncio

E no meu silêncio, hoje, falta

A tua suave companhia!

 

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

HUMMM...


O olho brilha

O sorriso escancara

Molha e transborda

Derrete de prazer

Apenas imaginar

Imagina: sentir

Dissolvendo gostoso

Inundando papila

Lambuzando a boca

Escorrendo pela garganta.

          Ah! O olho fecha. Hummm!

A boca cala e avança

Crava os dentes

Busca com a língua

Introduz em cambalhota

A pequena parte rompida

E na mucosa quente e úmida

Como num beijo apaixonado

Desvanece na saliva.

Ávido e incensurável desejo,

Rende e incorpora outros pedaços

Um a um saboreia devagar

Em coreografia circulante

De bochecha a bochecha

Eleva os sentidos aos céus

Diante da doce delícia

De comer e comer e comer

Hummm! Um chocolate