Acontece que a Titia fazia muitas coisas bem feitas,
mas era muito insegura. Cuidava da casa, dos pais mais velhos, e trabalhava a
contento. Além disso, tinha habilidades que a diferenciava. Bordava como
ninguém, e gostava de escrever. Redigia com inspiração e inteligência, tinha
boas ideias, mas era muito insegura. Guardava tudo o que fazia numa gaveta -
bordados e escritos. Ela era sociável, tinha razoável círculo de amizades entre
o trabalho, a igreja e os antigos colegas da escola. Inclusive, tinha lá os
seus pretendentes, mas era insegura demais, achava que não conseguiria, e
assim, nunca namorava. Dessa forma, nada andava, ou melhor, tudo andava em
círculo e nada de novo acontecia efetivamente.
Foi aí que essa história começou. Cansada de andar em
voltas, e sempre a rodar nas mesmas voltas, pensou em alternativas para sair,
pelo menos, de alguns de seus enredos. Refletiu e considerou. Resolveu tomar
providências. Decidida a desvirginar a gaveta contendo suas produções secretas,
e mostrar ao mundo o que sabia fazer, num esforço de enfrentamento único,
elegeu uma amiga de infância para mostrar alguns dos belíssimos trabalhos
manuais, e um amigo da repartição, sujeito de muitas leituras e certa erudição,
para apreciar uma pequena parte das setecentas e quarenta e cinco crônicas
escritas. Hesitante desde a raiz dos cabelos, trêmula até a última partícula do
pensamento de tamanha insegurança, conseguiu agir conforme as novas diretrizes.
Distribuiu seus mistérios aos eleitos e aguardou ansiosa, angustiadíssima, o
que haveria de lhe retornar.
Recebeu elogios de profundo encantamento, realmente ela
tinha talento. Com comentários enriquecidos às exclamações, surgiram algumas boas
sugestões. De uma parte, seria recomendável que a Titia refinasse algum detalhe
ou acabamento nos bordados, coisa que sofisticaria o seu dom à arte
propriamente dita. De outra parte, talvez ela pudesse burilar algo aqui ou
acolá, desenvolver uma ou outra técnica para dar excelência aos seus textos,
quem sabe, para ousar e publicar em obra literária.
Radiante com o suporte amigo, ela buscou
aperfeiçoamento para as duas atividades. Lamentavelmente, o exíguo tempo para o
cumprimento de tantas atribuições exigiu uma opção. E a Titia passou a se
dedicar com ganas à escrita. O bordado ficou relegado ao quarto ou quinto
plano, porém, sem jamais ser abandonado. Em função da direção trilhada por
Titia, a amiga teve sua contribuição acolhida e bem agradecida, mas logo
adiante dispensada, pois o bordado andava a passos de tartaruga. Porém, o
colega do trabalho recebeu cada vez mais material para leituras. Como as
crônicas eram boas, a colaboração manteve-se sem sobrecarregar o colaborador,
que acompanhava, conforme conseguia tempo, as pilhas de contos e crônicas, e alguns
esboços de futuros romances.
Um dia a Titia chegou ao seu estimado cooperador com
nova proposta. Cheia de dedos, constrangida até a alma, com uma conversinha
estranha e diferente, falou circunspecta. “Estive pensando muito seriamente.
Nestes últimos tempos tens sido um grande amigo; meu único, mas o melhor
crítico literário, e o maior e imprescindível apoiador às minhas superações. Venho
qualificando meus contos ao futuro letrado. Estou feliz porque me sinto mais confiante,
bem mais segura e com mais perspectivas de realização. No entanto, em outros assuntos,
também muito importantes, venho de arrasto, sempre me enrolando no mesmo lugar.
Aí, eu pensei: talvez tu, que tens sido tão disponível, tão amigo, tão, tão... Nem
sei como me explicar, mas vamos lá. Tu que tens sido uma pessoa tão especial
para mim, quem sabe possas me ajudar quanto a outro tema. Tenho algo, assim
como os meus escritos, que eu quero mostrar e não sei como fazer, porque guardo em
outro lugar.” Respirou fundo e prosseguiu meio cabisbaixa: “Acredito que saibas que eu nunca
namorei, e que talvez ainda não esteja pronta para namorar, mas, foi aí que eu
pensei. Acho que preciso desengavetar minha virgindade, e treinar essas habilidades
meio sonolentas em mim, para depois, mais confiante, me arriscar a algum investimento
de maior proporção.” Olhou profundamente nos olhos estarrecidos do colega e
atreveu-se ao milímetro de fala que faltava. “Aceitas ser meu critico ao
encontro amoroso e contribuir com sugestões ao meu aperfeiçoamento?”