quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Recado aos meus "3 As"


      Hoje senti uma dor no peito, forte, de arrancar a respiração; uma dor que não era minha, mas doeu como se minha fosse, por alguma silenciosa identificação.
Hoje cumprimentei a mulher da minha faixa etária, que sempre cumprimento quando a encontro no vestiário, depois da atividade física. Hoje, pela primeira vez, ela correspondeu ao cumprimento através de murmúrios, além do usual e tênue movimento da cabeça. Em voz baixa ela falou, confidenciou com o desespero de quem está na beira do precipício e ainda tem dúvida se salta ou não, e chorou lágrimas de saudades do filho amado, que partiu para todo o sempre em um acidente de trânsito. E olhou nos meus olhos e suplicou algo que eu entendi, mas que não soube encontrar em mim de supetão. Senti meu coração sufocar no peito, as palavras encalharem no pensamento, e minhas mãos sobrarem no corpo. Depois senti uma enorme vontade de abraçar aquela mulher, de dividir minha força e meus sonhos de longos horizontes com ela. Hoje senti a dor dilacerante da mãe que perde um filho.
Em pensamento, procuro meus filhos e paro o tempo para mirar cada um deles, jovens que voam por esta vida a cumprirem com seus desígnios, tantas vezes de forma irresponsável e onipotente. Com o eterno e incomensurável amor que tenho por eles, peço baixinho, como em reza, para que se cuidem e não se exponham gratuitamente aos riscos que a juventude insiste em ignorar. Carrego o coração aflito, mas sempre esperançoso que um dia eles amadureçam e entendam, e nos perdoem pelas impertinências. E, quem sabe, até agradeçam pela reiterada insistência quanto às medidas de segurança.
Filhos amados, meus três adoráveis As, valorizem a vida de vocês com atenção e desvelo, pois se assim o fizerem, vocês também estarão valorizando e cuidando da minha vida. E, juntos, ainda teremos tempo para realizar dos simples aos malucos sonhos, e compartilhar felicidades a perder de vista.


sábado, 26 de outubro de 2013

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Insegura como só


Acontece que a Titia fazia muitas coisas bem feitas, mas era muito insegura. Cuidava da casa, dos pais mais velhos, e trabalhava a contento. Além disso, tinha habilidades que a diferenciava. Bordava como ninguém, e gostava de escrever. Redigia com inspiração e inteligência, tinha boas ideias, mas era muito insegura. Guardava tudo o que fazia numa gaveta - bordados e escritos. Ela era sociável, tinha razoável círculo de amizades entre o trabalho, a igreja e os antigos colegas da escola. Inclusive, tinha lá os seus pretendentes, mas era insegura demais, achava que não conseguiria, e assim, nunca namorava. Dessa forma, nada andava, ou melhor, tudo andava em círculo e nada de novo acontecia efetivamente.

Foi aí que essa história começou. Cansada de andar em voltas, e sempre a rodar nas mesmas voltas, pensou em alternativas para sair, pelo menos, de alguns de seus enredos. Refletiu e considerou. Resolveu tomar providências. Decidida a desvirginar a gaveta contendo suas produções secretas, e mostrar ao mundo o que sabia fazer, num esforço de enfrentamento único, elegeu uma amiga de infância para mostrar alguns dos belíssimos trabalhos manuais, e um amigo da repartição, sujeito de muitas leituras e certa erudição, para apreciar uma pequena parte das setecentas e quarenta e cinco crônicas escritas. Hesitante desde a raiz dos cabelos, trêmula até a última partícula do pensamento de tamanha insegurança, conseguiu agir conforme as novas diretrizes. Distribuiu seus mistérios aos eleitos e aguardou ansiosa, angustiadíssima, o que haveria de lhe retornar.

Recebeu elogios de profundo encantamento, realmente ela tinha talento. Com comentários enriquecidos às exclamações, surgiram algumas boas sugestões. De uma parte, seria recomendável que a Titia refinasse algum detalhe ou acabamento nos bordados, coisa que sofisticaria o seu dom à arte propriamente dita. De outra parte, talvez ela pudesse burilar algo aqui ou acolá, desenvolver uma ou outra técnica para dar excelência aos seus textos, quem sabe, para ousar e publicar em obra literária.

Radiante com o suporte amigo, ela buscou aperfeiçoamento para as duas atividades. Lamentavelmente, o exíguo tempo para o cumprimento de tantas atribuições exigiu uma opção. E a Titia passou a se dedicar com ganas à escrita. O bordado ficou relegado ao quarto ou quinto plano, porém, sem jamais ser abandonado. Em função da direção trilhada por Titia, a amiga teve sua contribuição acolhida e bem agradecida, mas logo adiante dispensada, pois o bordado andava a passos de tartaruga. Porém, o colega do trabalho recebeu cada vez mais material para leituras. Como as crônicas eram boas, a colaboração manteve-se sem sobrecarregar o colaborador, que acompanhava, conforme conseguia tempo, as pilhas de contos e crônicas, e alguns esboços de futuros romances.

Um dia a Titia chegou ao seu estimado cooperador com nova proposta. Cheia de dedos, constrangida até a alma, com uma conversinha estranha e diferente, falou circunspecta. “Estive pensando muito seriamente. Nestes últimos tempos tens sido um grande amigo; meu único, mas o melhor crítico literário, e o maior e imprescindível apoiador às minhas superações. Venho qualificando meus contos ao futuro letrado. Estou feliz porque me sinto mais confiante, bem mais segura e com mais perspectivas de realização. No entanto, em outros assuntos, também muito importantes, venho de arrasto, sempre me enrolando no mesmo lugar. Aí, eu pensei: talvez tu, que tens sido tão disponível, tão amigo, tão, tão... Nem sei como me explicar, mas vamos lá. Tu que tens sido uma pessoa tão especial para mim, quem sabe possas me ajudar quanto a outro tema. Tenho algo, assim como os meus escritos, que eu quero mostrar e não sei como fazer, porque guardo em outro lugar.” Respirou fundo e prosseguiu meio cabisbaixa: “Acredito que saibas que eu nunca namorei, e que talvez ainda não esteja pronta para namorar, mas, foi aí que eu pensei. Acho que preciso desengavetar minha virgindade, e treinar essas habilidades meio sonolentas em mim, para depois, mais confiante, me arriscar a algum investimento de maior proporção.” Olhou profundamente nos olhos estarrecidos do colega e atreveu-se ao milímetro de fala que faltava. “Aceitas ser meu critico ao encontro amoroso e contribuir com sugestões ao meu aperfeiçoamento?”


sábado, 12 de outubro de 2013

Ainda não somos velhos?


Vejo corpos que se desfiguram pelo descaso, murchando em musculatura e inchando em cinturões abdominais, expondo-se a fatores de risco como o cardiovascular, entre outros. Percebo emoções que se desencantam e choram a autoimagem trincada, deprimindo desejos e prazeres da vida presente e futura. Conheço pessoas que vão se perdendo de si e das boas perspectivas que a longevidade promete.

Caminhar, fazer ginástica e dançar, por exemplo, são exercícios de amor próprio. Quem os faz não cansa mais do que se alegra. Cuidar da alimentação, valorizar a autoimagem com pequenos investimentos, e manter alguma vida social também são expressões de auto amor. Nada disto rouba tempo ou dinheiro indisponível, são apenas singelos comportamentos que suprem a vida de vida. Pequenos movimentos que presenteiam a existência com virtudes e vigor.

A pasmaceira, a alienação de si, ou a autoagressão por ingestão indiscriminada de alimentos (quantidade e qualidade), preenchem a vida de ocos, doenças e frustrações. E aí a longevidade parece perder a graça e o propósito. Queremos viver mais e melhor, mas nada vem com a inércia e sem custo algum. Se isto acontecer, precisamos desconfiar, pode não ser a verdade que queremos e precisamos. Viver é verbo. Viver é ação. Viver pede sentido de ser.

Ainda não somos velhos? Mas ficaremos. Vamos deixar para acordar quando as circunstancias se tornarem mais complexas e difíceis? Ou, hoje já podemos  empreender energia e atenção vislumbrando o amanhã? Mãos à obra, a hora é agora!

Primaveras


É primavera. A tarde cai arrastada como se não quisesse ir embora. Os pássaros silvam em sinfonia, soltos e saltitantes pelas árvores coloridas e espalhadas por calçadas e jardins. Poetizam graves, agudos e roucos; sibilam num rico jogo de tons voadores. Eventualmente o ruído de um carro invade a cantoria, mas não desarmoniza, simplesmente passa.

Considerando as considerações e as desconsiderações do percurso, o saldo é que o coração está em paz. Os problemas resolvidos saem de circulação e abrem espaço aos novos, que já aguardam em fila de espera. Os desafios permanecem dentro do tempo a reivindicar esforços para a auto superação. As limitações se reciclam escancarando a imperfeição humana – e os enfrentamentos surgem com cara nova, força nova, coragem nova. E assim a gente vai vivendo guerras, ao som da natureza renascida em paisagens mutantes pela troca de estação. É primavera. Ainda ouço, ao longe, estrondos de pequenas explosões. Mas o coração está em paz.

A paz que floresce vem com o pipilar das aves; surge na fala entre as pessoas; provêm da escrita de mensagens abertas ou secretas. A paz se estabelece diante de esclarecimentos, de negociações e de acordos minimamente bem sucedidos. E aí o coração fica apaziguado. Tristezas, ansiedades, raivas, ou dissabores se dissipam, liberando o fluxo da vida para prosseguir no seu destino. Destino em ciclos que cinge estações adversas, paisagens recheadas de encantos, tragédias, e renovação.

Ontem podiam existir conflitos ou angústias; hoje são o diálogo e o entendimento que se impõe. Ou, até pode prevalecer a necessidade de mais tempo aos ajustes e imprescindíveis acomodações. E amanhã, com o que nos defrontaremos? Importante é encarar as dificuldades, vindas de onde ou do tempo que for; é encarar o resultado, qualquer que seja ele: positivo ou temerário, ou como  aprendizado para próximos confrontos.  É na disputa com os infortúnios que desenvolvemos habilidades e capacidades. E evoluímos.

O sorriso complacente da maturidade orgulha-se da sabedoria que abre caminho sulcando a pele; se derrete em êxtase na musicalidade da nova estação de vida; e se encolhe discreto para acolher as futuras contrariedades inevitáveis da existência. E com palavras goza a paz da primavera que chegou.

 

domingo, 6 de outubro de 2013

ACREDITO



Eu te amo tanto
Por que te amas tão pouco?
Eu tanto cuido e zelo por ti
Por que te cuidas tão pouco?
Eu te valorizo tanto
Por que te valorizas tão pouco?
Amado, és tão importante para mim,
Por que fazes de ti tão pouco?
Não sei mais o que fazer nem pensar.
Mas rezo com esperança. Acredito.
Espero que aprendas te respeitar, te preservar.
Não te permitas tão amortecido, tão perdido.
Desejo que te faças e te mantenhas vivo
Com todos os méritos de uma vida plena.


terça-feira, 1 de outubro de 2013

Anjo


Tinha algo diferente naquele anjo, mas eu não tinha dúvida de que se tratava de um anjo. Ele me abordou 'invocadinho', com as mãos na cintura e abanando a cabeça de um lado ao outro. “Tu estás fazendo errado”  disse-me impaciente. “Como assim?” respondi meio atordoada com o inesperado.

O anjo, bem vestido em roupas negro-acetinadas  e  enfeitado com  adornos em brilhante, tinha um óculo de lente pendurada no nariz filtrando a luminosidade dos olhos. E uma cara linda; embora bem braba. Pegou-me pela orelha e me puxou a um canto. “Eu estou te cuidando, mas assim fica difícil, tu estás fazendo tudo errado. Estás procedendo mal contigo mesma. Olha aqui...” e me aconselhou sucintamente para que eu entendesse a chamada de atenção. Logo em seguida disse que estava de olho em mim, e eu que não me fizesse de boba! Deu-me um abraço apertado, virou as costas e sumiu evaporado, distante de mim meia quadra.

Depois do susto, fiquei rindo sozinha. “Estou ficando maluca”. Lá longe o anjo se materializou novamente, apertou os olhos furiosos como se a dizer “não estas maluca não, e não me provoques porque eu posso perder a cabeça”. Desta forma descobri que tenho um anjo no meu encalço. Fiquei feliz de saber que estou sendo cuidada. Mas preocupada porque o meu anjo não está nem um pouco satisfeito comigo.

Mudei de planos e saí ligeirinha a refazer meus últimos feitos e a fazer novas façanhas, conforme a orientação do anjo. Não quero saber do meu anjo tão aborrecido assim. E se ele perder a paciência comigo? Pelo jeito, me torce o pescoço.

Cheguei a casa e fui logo ao computador. Minha primeira providência foi reescrever a história dos vermes canibais, inclusive porque vermes não são canibais. Depois gritei todos os desaforos trancados na garganta até perder a voz, mas no idioma “caricatez” que eu mesma inventei. Já bem aliviada, peguei todas as minhas tintas e pincéis e comecei a pintar sobre as paredes e quadros e janelas cinza do meu presente. Colori uma profusão de cores em infinitos tons, criando desenhos e abstrações tão alegres como eu gosto de ser.

Fiz uma pausa. Descansei um pouco e continuei tomando as providências sugeridas pelo anjo, muito orgulhosa pelas próprias proezas. Busquei o sorriso que estava guardado numa caixinha de joias no fundo do cofre e fechado a sete chaves, e o vesti solenemente. Na mesma hora recolhi todas as tristezas sem lágrimas, acumuladas em meses, e as lacrei num saco. Joguei o enorme saco no lixo seco - a prefeitura virá buscar amanhã. Varri expectativas, espanei decepções e desinfetei o ambiente das maluquices dos outros. De tudo o que me ocorreu fazer, só ficou faltando reorganizar minha fala diante dos diálogos; e ajustar as lentes de ver o mundo - de um jeito faceiro a desvendar a faceirice do mundo .

Ao fim da empreitada, atirei-me exausta na cama, mas profundamente feliz. Dei uma guinada e tanto no rumo dos acontecimentos. Agora é segurar a ansiedade e esperar  o dia de  amanhã, pois desejo reencontrar com o anjo 'atacadinho'. “Será que ele vai me procurar de novo? Eu fiz tudo bem direito, será que ganharei elogio? Sei não, sei não”. E a voz do anjo  ecoando no meu pensamento ficou cada vez mais leve e musical: "Se sorrires o mundo sorrirá contigo, se chorares tu chorarás sozinha!"