As emoções
não se explicam, elas surgem e se sucedem ao seu bel prazer. Ao seu bel prazer?
Quase
vinte anos de casamento. Homem e mulher mudaram no espírito e no físico. Ambos
lamentaram algumas transformações, porém a mulher conseguia acomodar os
desconsolos com as perdas, procurando e encontrando muitos lucros com a
passagem do tempo na vida do seu par. Mas o homem andava triste e decepcionado,
pois olhava a sua princesinha de antes, hoje virada numa matrona, completamente
desandada nas virtudes do corpo, e não aceitava, de forma nenhuma, a mulher que
caminhava ao seu lado. Sentia vergonha. É bem verdade, a mulher escolhida para
compartilhar a vida com ele, ao longo dos anos lhe parecia cada vez mais
amorosa, compreensiva, inteligente e produtiva. Engraçado, ele até sentia bastante
desejo por ela ainda, ficava excitado quando a imaginava de camisola...
Reflexivo ele consentia, o casal se entendia e se divertia nas brincadeiras por
entre os lençóis. Era uma pena... Mas, e a vergonha dos amigos? Só pensar de os
colegas não mais o verem enfeitado pela bela mulher, que um dia ela fora, lhe
doía a alma.
O
homem não tinha coragem para a conversa franca, e foi empurrando com a barriga,
já bem crescida também, a tristeza que aos poucos evoluía à depressão. A mulher,
preocupada com o estado de seu homem, pegou-lhe de jeito e obteve a dolorosa confissão.
Com o coração na mão, mas astuta, acalmou-lhe as preocupações. Acarinhou-lhe
com amor e disse que seu mal-estar deveria ser apenas o cansaço de tanto
trabalho. Sim, ela percebia que o tempo havia lhe transformado a aparência, mas
não lhe havia tirado a beleza, e isso ela poderia provar. Ela propunha uma
experiência que seria decisiva, mas para o dia seguinte. Naquela noite eles
iriam somente relaxar, descontrair, se amar e descansar.
Admirado
com a segurança da mulher e feliz com sua sinceridade, assentiu com o adiamento
das decisões para o dia seguinte. Naquela noite a mulher caprichou. Acendeu
velas; trouxe para a alcova morangos e chocolate cremoso, além de espumante;
providenciou música suave e doce; se perfumou; e por fim vestiu um esvoaçante transparente
e curtinho traje de dormir, transbordando mulher para todos os lados. Ela
dançou para ele ver, dançou grudando o seu corpo no dele. Tirou-lhe a
roupa, peça por peça, e beijou-lhe as partes. Comeram os morangos lambuzados no
chocolate que foram espalhados pelos seus corpos, e beberam o espumante a pequenos
goles, babando de prazer. Orgasmo? De perder as contas, a noite in-tei-ri-nha. Desmaiaram em sorrisos
de felicidade mútua e compartilhada.
No
dia seguinte o homem constrangido não queria mais a prova nem a experiência
prometida, mas a mulher pediu, insistiu, e decidiu. Iriam à conferência necessária
para a sobrevivência do casamento. Se ela provasse que ainda continuava bela
como sempre fora, eles conversariam em busca de acordos; se não,
ela aceitaria imediatamente tratar da separação. A estratégia seria a seguinte.
Eles se arrumariam e sairiam. Em rua bem movimentada da cidade ela passaria a
caminhar na frente e ele alguns metros atrás. E ele veria, com os próprios
olhos, como os homens ainda se viravam para admirá-la quando ela passava. O
marido um tanto duvidoso, porém já menos inseguro por ver sua mulher tão
poderosa em casa, e tão autoconfiante na postura em relação aos seus atributos,
concordou com tudo.
E
foi assim que o fato ocorreu. Ela ia à frente vestida normalmente, caminhando de
forma comum, rebolando como toda e qualquer mulher. Nada de excepcional nem
para mais nem para menos. De repente ele viu um homem mais jovem, bem apessoado,
cruzar por sua mulher olhando-a fixamente, depois sorrindo, e logo após virando-se para
olhá-la mais uma vez. Adiante viu outro homem, um tipo grisalho aprumado, e
logo depois outro, todo enfarpelado, procederem de maneiras semelhantes. E no
percurso de duas ou três quadras foram muitos os homens de boa aparência que a
admiravam, e se viravam a manter os olhos nela. Totalmente orgulhoso da sua
mulher, não teve mais dúvida do mulherão que tinha em casa. Sim, ela estava
transformada, ele é que não tinha entendido a nova beleza, mas hoje sabia, ela continuava
gostosa, ele próprio conferiu. Já corroído de ciúme, apressou o passo, enlaçou com o
braço a cintura da mulher e beijou-lhe a boca, demorada e apaixonadamente, em
pleno meio do caminho. Voltaram a casa e ela tentou retomar o assunto, ao que
ele a impediu desferindo beijos sobre beijos. O homem, aos sussurros, lhe
implorou que encerrassem aquele assunto, e puxando-a delicadamente pela mão,
encaminharam-se alegres ao ninho do casal.
Depois do episódio
ela tentou emagrecer um pouco, mas não conseguiu jamais ser a jovenzinha de
vinte anos atrás. Ele, porém, não se importou mais com esses pormenores. E, assim, o homem
e a mulher viveram felizes para quase todo o sempre. Apenas o que ele nunca soube, e, ao
caminhar atrás dela, ele não viu, é que a mulher escolhia figuras masculinas
interessantes para fazer-lhes caretas e revirar os olhos e expor a língua. Mas, por
que ele deveria saber deste pequeno particular tão insignificante?