Nos últimos quarenta anos eu mudei muito... Fisicamente ainda
guardo alguma semelhança de quem fui, mantendo leves traços de um tipo, o meu
tipo, hoje enfeitado por gorduras e rugas e manchas na pele, além de adereços
como o que carrego frente aos olhos.
Neste punhado de décadas transcorridas, gangorra de acontecimentos,
incontáveis mudanças impactaram em mim gerando transformação. Hoje não sou mais
a mesma pessoa de outrora, e por ironia, eu continuo sendo a mesma de sempre. E
essas coisas me impressionam pela tão incoerente coerência.
Assim, seguindo caminhos incompreensíveis
e improváveis, me deparei com o inesperado. Após infinitas arrumações realizadas na casa com
o intuito de eliminar velharias inúteis, e mesmo depois de submeter-me às
mudanças concretas e subjetivas que a vida impôs, eu descobri inúmeras cartas de
um passado longínquo, de um amor esquecido, de um tempo mágico e vaporoso. Cartas
escritas há mais de quarenta anos que eu não sonhava ainda existirem. Eu
guardei as cartas, mas não dei por conta, e desde então não as vi mais.
É o destino agindo? Sou uma acumuladora?
Por que tenho guardado essas cartas? Como não percebi que elas estavam comigo todos
esses anos, onde quer que eu fosse ou como me sentisse? Esqueci completamente
das cartas, mas as guardei, e as carreguei junto a mim. Por quê? Não sei.
E agora, fazer o quê? Primeira
coisa que me ocorreu foi compartilhar minha descoberta com o remetente das
cartas tão encantadoramente juvenis, mas... para quê? Isso seria ridículo. Por que
eu invadiria o presente de alguém com um passado apagado e encoberto com as
poeiras da vida? Que direito tenho eu de reivindicar a amizade de alguém que
ficou no passado e que não conheço mais? Por que correr o risco de gerar
desconforto ou desgosto? Mas, se a situação puder gerar alegria, a mesma que me
invade ao cogitar o compartilhamento desse inimaginável fato?
Fui às redes sociais, ainda sem noção
do que fazer. Lá encontrei a imagem de um senhor de meia idade correspondente
ao nome procurado. Comparando a imagem na tela com a foto 3x4 em minhas mãos, identifiquei
o mesmo olhar. O mesmo olhar que eu nem lembrava mais, mas que as cartas me instigaram
a procurar.
Desculpa a ousadia, mas ficaria muito feliz de ter notícias
tuas.