sábado, 28 de junho de 2014

Ideando


Uma ideia esfumaçada esboça seus contornos. Ainda em formação a ideia sai do espírito criador, um ser maluco residente na cachola da pessoa inspirada, buscando algum nível de completude. Voa em palavras livres atrás de sonhos.

Infinitas vezes, às primeiras manifestações de uma ideia, surgem censuras que agarram e amarram a ideia, e a aprisionam em cela de grades de ferro. Sem qualquer direito à defesa, a ideia é condenada à morte por vilões inimigos da liberdade e da criatividade.

Grande azar!

Oriunda da mesma fábrica de ideias, outra ideia se agita em cores pastel e se ouriça a encontrar e (quem sabe?) colorir o mundo. Ingênua ideia de traços incertos jogando-se à vida através de imagens, gestos e sons.

No primeiro contato com a atmosfera, quantas vezes, a ideia esbarra em forte muro de pedras. E, ainda em construção, se esfacela no choque, escorre muro abaixo e evapora antes mesmo de encontrar o chão.

Lamentável acidente!

O espírito criador de uma fábrica de ideias residente na cachola do ser inspirado, impulsivo e inconsequente, põe-se a gerar ideias sobre ideias, e a liberá-las por códigos convencionais e esdrúxulos, completamente inabalável aos azares e acidentes da vida.

Alheio à inóspita acolhida que as suas ideias recebem neste mundo pronto e catalogado, nega-se à monotonia da ideia comprada barata e reproduzida por pura alienação.

O espírito criador simplesmente brinca de pensar e inventar e reformular ideias.

 

terça-feira, 10 de junho de 2014

Esquinas



Dobrei uma esquina e fui ao leste seguindo o vento até a estiagem. Depois, virei outra esquina à esquerda e segui em frente até a chuva molhar meus olhos e emoções. Subi a ladeira a deixar pendurada a língua, e dobrei algumas vezes a linha do horizonte. Foi assim que me perdi no labirinto das horas, dos meses e dos muitos anos.

Por isso, alcanço o momento atrasada e esbaforida, com o rosto sulcado e amarrotado, o corpo algo modificado e fora do próprio eixo. Mesmo assim, chego com o coração tamborilando de contente por te encontrar. Aqui, exatamente aonde, aqui, eu cheguei.

Ah, como te procurei para te contar do presente que a vida nos quer dar. Olha só, ela enviou uma carta doce de chocolate e iluminada de mel dourado, nos oferecendo momentos mais que deliciosos em roscas românticas de braços e pernas, e de muitas emoções no surfar de mãos pelas ondas dos nossos corpos, úmidos.

Sim, é verdade, ela disse que a gente sabe sonhar, e que nossos sonhos sabem pedir, e que nossos pedidos... Por que não? Foram tão sinceros. Naturalmente que sim, poderão ser atendidos. Depende da coragem que nos faz seguir e virar mais uma e todas as esquinas do tempo. E acreditar.

Ah, como te procurei. Agora em ti nem sei de mim. O calor sobe e desce e faz suar. O coração dispara pela boca convocando a tua boca; e o meu corpo treme de prazer ao roçar com o teu. E o desejo descontrolado de provar o teu gosto grisalho, de mergulhar no teu sabor de história vivida, de nos lambuzar nas doçuras que a vida nos prometeu, ah, mal posso esperar. Como estou feliz por me deixar desvendar pelos teus sentidos - e te descobrir pelos meus - nesta esquina do tempo, meio fora de tempo, mas que ainda se faz em tempo, para a gente se amar.