Em geral,
sobrevive-se apesar dos pais que se tem. Nós sobrevivemos.
A culpa do
que somos não é da mãe, tão pouco é do pai. Sim, os dois erraram, não souberam
fazer as coisas direito - nossos pais nos atrapalharam e muito. Inclusive,
quando não evitaram, ainda alimentaram traumas e sequelas em nossas vidas.
Quantas
vezes eles jogaram suas confusões sobre nós e não nos protegeram dos nossos
próprios tumultos. Em quantas circunstâncias eles contribuíram para reduzir um
pouco mais a nossa baixa autoestima. E quando a gente só queria chamar a
atenção deles e ganhar carinho, e eles nos julgaram nos castigaram e nos
abandonaram com suas iras. Ainda tem as chantagens, as competições, as brigas e
todo o resto que eles nos envolveram, e acabaram nos confundindo. Ah, como eles
erraram conosco. E nós sobrevivemos a despeito dos erros e falhas de nossos
pais.
No entanto, sejamos
honestos, sabemos que eles queriam, e muito, acertar como pais; que eles só
queriam acertar nas decisões tomadas em relação a nós; que eles apostaram e acreditaram-se
acertando diante de quase tudo o que nos envolvesse. Talvez até se imaginassem em
pequenos escorregões, um ou outro errinho insignificante passado
imperceptivelmente, afinal eles sabiam-se humanos. Mas, com certeza, apenas falhas
cometidas como exceção que justifica toda a regra, e que, provavelmente, não
repercutisse em qualquer tipo de prejuízo para nós.
Pensando bem
e a bem da verdade, no final de todas as contas, eles até que foram bem
sucedidos como pais, conseguiram ser eficientes em muitos aspectos e momentos.
Estamos aí, não estamos? Apesar de todos os pesares, estamos buscando um amor e
construindo família, trabalhando e almejando sucesso profissional e econômico,
estamos tentando desbravar caminhos e, principalmente, errar bem menos com os
nossos filhos do que eles erraram conosco.
Mas cadê o
manual? Onde a gente pode se inscrever
no curso “Seja o pai, ou a mãe, perfeito”? Como mensurar o amor que sentimos
por nossos filhos, e saber se tal está na medida correta? Quando devemos pensar
primeiro em nós mesmos, e quando a prioridade das atenções deve ser o filho? Deixa-nos
entender, por que temos que dar este tão famoso limite aos filhos, se nós os
queremos felizes e podemos oferecer tudo o que eles nos pedem? Como ser exemplo
ao filho se, como adultos, nós precisamos de tanta ajuda e um pouco de colo,
pois estamos tão perdidos, tão sobrecarregados, tão pressionados, tão sofridos?
Nossos
filhos sobreviverão apesar de nós, de nossos erros e de nossas culpas. Isso não
justifica que devemos deixar tudo como está. Pelo contrário, temos que nos
dispor a desarraigar e eliminar velhos problemas. Devemos buscar recursos e aprendizados
e, sempre que possível e necessário, buscar ajuda na cooperação entre escola e
família e profissionais para a saúde social e emocional. Mesmo no movimento para
ultrapassar os limites pessoais, é inevitável que ocorram omissões, equívocos e
erros em nossos comportamentos e intenções. Mas a culpa, a sinistra culpa, a quem
quer que seja dirigida, aos pais do passado ou aos do presente, não oferece
melhores perspectivas de acertos futuros. Talvez este não seja o caminho na
direção aos mais amplos horizontes.
Assumamos,
com coragem, o desafio de nos desenvolver ao limite de nossas capacidades como
pais e pessoas, buscando todo auxílio possível na perspectiva desta superação. E,
depois, que nossos filhos, ao identificar nossos erros involuntários, corrijam as falhas cometidas pelos pais e evoluam na própria construção e diante da educação que darão
aos seus filhos.