sexta-feira, 23 de agosto de 2013

... GOIABA


A vida é como a goiaba.

Sim, eu explicarei. Justificarei em detalhes

Inventarei relações e argumentos.

Forjarei identificações com a casca

A polpa e as sementes. E a maturação.

Enaltecerei semelhanças, minimizarei diferenças,

E fortalecerei minha intenção:

“A vida é como a goiaba!”

No entanto em nada acreditarei.

Mas continuarei a dizer e a pensar

E a desfrutar do prazer desta ilógica,

Pela verdade que não sei esclarecer.

Eu babo pela vida como babo pela goiaba.


sábado, 10 de agosto de 2013

O tempo



A temperatura tomba dos céus. Ontem ela passeava pelos vinte e muitos graus, hoje a encontramos desmilinguida e molhada não ultrapassando os cinco, com a sensação térmica de menos ainda. Em vinte e quatro horas temos o privilégio de experimentar todas as possibilidades meteorológicas: sol, calor, nuvens brancas em fartos flocos, ventinho, vendaval, garoa, nuvens pesadas carregadas de relâmpagos e trovões, temporal, granizo, frio congelante. Atchinm! Não, isso não é gripe, é só o corpo se acomodando e sinalizando os processos alérgicos respiratórios, comuns por aqui.

Ufa, é muita emoção, e não é para quem quer, não, o vivente precisa ter fibra, saúde e espírito esportivo para viver nesta gangorra com o tempo. Ora estamos vestidos com roupas leves, ora estamos cobertos até os pensamentos, e vice e versa, em apenas um punhado de horas.

Gosto daqui. Sofro um pouco com o calor sufocante do verão, mas aguardo ansiosa, e aprecio deveras, a provocação do outono tingindo-se tendenciosamente de amarelo alaranjado, no esforço ao monocromático. Por vezes me ressinto com o frio penetrante do inverno a alcançar os ossos, mas amo a primavera com sua leveza e perfumes, e excedidos coloridos. Gosto daqui!

Quem aqui vive sabe que é conveniente ter um guarda-chuva e um agasalho a mão, qualquer que seja a estação e a temperatura anunciada. E certo cuidado para não esquecer em algum canto a roupa despida por causa do calor. Nesta terra as surpresas já são aguardadas, e nos surpreendem quando elas não se apresentam.

Com a experiência dos anos aprendemos fazer caminho por entre os fenômenos atmosféricos, estes danados tão desrespeitosos dos limites sugeridos pelas estações. Aprendemos a degustar um vinho da colônia - ou das grandes reservas - em boa companhia junto à lareira, lentamente queimando rachas de lenha em dançantes labaredas, mesmo quando o frio não é tão acintoso. Aprendemos a beber grandes e rápidos goles de cerveja estupidamente gelada - melhor quando artesanal - entre amigos e sorrisos e churrascos, mesmo quando o calor não é nem um pouco abafado. Aprendi, desde pequena, que em qualquer tempo é sempre bom tempo para se tomar um chimarrão bem quente, bem amargo, bem devagar, bem sozinha, ou em boa parceria.  

Sou do sul, dos pampas e do minuano. Já vivi em outras paragens, mas gosto, mesmo, é de estar sobre este chão, de estar exposta a este tempo maluco e estimulante. Gosto de superar os desafios das vertiginosas oscilações de temperatura e, ao sair vitoriosa porque saudável, me deitar abafadinha por baixo dos cobertores macios, ou me esparramar por cima dos lençóis cheirosos, refrescada pelo banho quase frio. E ler.

Aqui é o meu lugar. Ainda tenciono sair e morar fora, aprender novas culturas e idiomas, mas sempre com a certeza de voltar. Nestas pastagens que aprofundei minhas raízes, é neste solo que pretendo deixá-las, firmes e fortes, no vasto brincar com os tempos e as temperaturas.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

BRINCADEIRA


O vento soprou morno, emudeceu,

Arrepiou as estrelas enfiadas na escuridão.

A lua por entre nuvens de seda espreitou:

Dois corpos nus iluminados em prata
.
Enfarinhados pela dourada areia da praia

Sorrindo rolando e se olhando.  Cintilando

O VASO



O vaso quebrou

Não era para quebrar

Fui eu quem atirou

Não queria estragar

Foi impulso puro

Precisava extravasar.

Sempre eu tão imaturo

Da raiva quis me livrar

E o vaso quebrou,

Como vou me explicar?

Do jeito que ela me olhou

Não adianta, vai me matar.

 
 
 

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Nós sobrevivemos. Eles sobreviverão.


Em geral, sobrevive-se apesar dos pais que se tem. Nós sobrevivemos.  

A culpa do que somos não é da mãe, tão pouco é do pai. Sim, os dois erraram, não souberam fazer as coisas direito - nossos pais nos atrapalharam e muito. Inclusive, quando não evitaram, ainda alimentaram traumas e sequelas em nossas vidas. 

Quantas vezes eles jogaram suas confusões sobre nós e não nos protegeram dos nossos próprios tumultos. Em quantas circunstâncias eles contribuíram para reduzir um pouco mais a nossa baixa autoestima. E quando a gente só queria chamar a atenção deles e ganhar carinho, e eles nos julgaram nos castigaram e nos abandonaram com suas iras. Ainda tem as chantagens, as competições, as brigas e todo o resto que eles nos envolveram, e acabaram nos confundindo. Ah, como eles erraram conosco. E nós sobrevivemos a despeito dos erros e falhas de nossos pais.

No entanto, sejamos honestos, sabemos que eles queriam, e muito, acertar como pais; que eles só queriam acertar nas decisões tomadas em relação a nós; que eles apostaram e acreditaram-se acertando diante de quase tudo o que nos envolvesse. Talvez até se imaginassem em pequenos escorregões, um ou outro errinho insignificante passado imperceptivelmente, afinal eles sabiam-se humanos. Mas, com certeza, apenas falhas cometidas como exceção que justifica toda a regra, e que, provavelmente, não repercutisse em qualquer tipo de prejuízo para nós.

Pensando bem e a bem da verdade, no final de todas as contas, eles até que foram bem sucedidos como pais, conseguiram ser eficientes em muitos aspectos e momentos. Estamos aí, não estamos? Apesar de todos os pesares, estamos buscando um amor e construindo família, trabalhando e almejando sucesso profissional e econômico, estamos tentando desbravar caminhos e, principalmente, errar bem menos com os nossos filhos do que eles erraram conosco.

Mas cadê o manual?  Onde a gente pode se inscrever no curso “Seja o pai, ou a mãe, perfeito”? Como mensurar o amor que sentimos por nossos filhos, e saber se tal está na medida correta? Quando devemos pensar primeiro em nós mesmos, e quando a prioridade das atenções deve ser o filho? Deixa-nos entender, por que temos que dar este tão famoso limite aos filhos, se nós os queremos felizes e podemos oferecer tudo o que eles nos pedem? Como ser exemplo ao filho se, como adultos, nós precisamos de tanta ajuda e um pouco de colo, pois estamos tão perdidos, tão sobrecarregados, tão pressionados, tão sofridos?

Nossos filhos sobreviverão apesar de nós, de nossos erros e de nossas culpas. Isso não justifica que devemos deixar tudo como está. Pelo contrário, temos que nos dispor a desarraigar e eliminar velhos problemas. Devemos buscar recursos e aprendizados e, sempre que possível e necessário, buscar ajuda na cooperação entre escola e família e profissionais para a saúde social e emocional. Mesmo no movimento para ultrapassar os limites pessoais, é inevitável que ocorram omissões, equívocos e erros em nossos comportamentos e intenções. Mas a culpa, a sinistra culpa, a quem quer que seja dirigida, aos pais do passado ou aos do presente, não oferece melhores perspectivas de acertos futuros. Talvez este não seja o caminho na direção aos mais amplos horizontes.

Assumamos, com coragem, o desafio de nos desenvolver ao limite de nossas capacidades como pais e pessoas, buscando todo auxílio possível na perspectiva desta superação. E, depois, que nossos filhos, ao identificar nossos erros involuntários, corrijam as falhas cometidas pelos pais e evoluam na própria construção e diante da educação que darão aos seus filhos.