domingo, 28 de julho de 2013

A maçã



Inesperadamente a mão estendida na minha direção sustentava uma maçã vermelha, lustrosa, vigorosa. Era para mim. Fiquei surpresa. Uma maçã sedutora e apetitosamente bela. Meus olhos permaneceram vidrados na maçã. Ela era para mim. Eu não cria. A mão estendida sorria discreta e sussurrava: “pega!”

Hesitei. E fascinada peguei. Meus olhos mantinham-se pregados e embevecidos na maçã, enquanto a boca, impetuosa, avançou e quis agir pelo instinto - escorria desejo pelos cantos -, mas não fora autorizada. “Pare!” Disse o pensamento. “Aprecie.” A boca ainda quis insistir, mas ao toque dos lábios na fria e rubra casca, ela se derreteu e beijou a maçã. Roçou-se na fruta. Deslizou a língua docemente por sua superfície.

Com os olhos já fechados, eu apreciava o gosto evocado pelos movimentos sensuais da boca a lamber a fruta do amor. Ou era do pecado? Ou será que aquela maçã era a da bruxa? Os olhos se arregalaram, a mão que segurava a maçã afastou-se da boca afastando também a fruta. Os lábios esconderam a língua e apertaram-se um contra o outro.

Afinal, qual o sentido desta maçã? Por que ela me foi presenteada, e agora estava a me estontear e me seduzir? Será que ela queria inspirar-me ao amor, trazer-me uma mensagem romântica, acalentar meu coração ao breve romance? Ou será que ela queria chamar-me ao pecado da luxúria, fazer-me entregue ao prazer dos sentidos, explodir minhas emoções num momento intenso de paixão? Ou (por que não reparei na mão?), será que ela queria me envenenar diante da vida, paralisar-me diante do belo e retirar-me o viço, apagar-me para que outras belezas sobreponham-se a mim?

Quando o danado do pensamento começou, abandonei a bela fruta na mão em concha e segui deslizando atrás de ideias e reflexões, fui à busca dos muitos signos da maçã. Quantos símbolos a maçã nos sugere? Vejamos: tem a maçã do paraíso exibindo o pecado. Tem a maçã do conto de fadas insinuando o amor e a traição nas relações. Ah, tem também a maçã de Newton destacando descobertas e avanços para a ciência. Será que a minha maçã, com tanto encanto, me chamava a possíveis e futuros investimentos intelectuais? E a maçã do heroísmo? Raramente lembro-me dela, mas o pensamento pescou-a de um canto remoto da memória. Esta maçã enobrece a bravura do herói (um lendário suíço do período medieval) que atira de sua besta a seta contra a maçã posta na cabeça do filho (ao cumprimento de um castigo imposto) e ela atravessa a maçã sem tocar no menino. Talvez a maçã, a mim oferecida, estivesse desafiando minha bravura aos enfrentamentos necessários. Mas ela parecia tão doce e sedutora, será? Sim, tem também a maçã mordida, aquela da grande marca comercial, apresentando um discurso mais moderno, nos comprometendo ao contemporâneo e nos impulsionando à transformação.

Naturalmente outros significados já foram atribuídos à maçã, mas a minha maçã estava ali, maravilhosamente bela, parada esperando por mim. Eu não queria mais pensar, em nada, e abruptamente estanquei o fluxo do pensamento. Eu queria simplesmente morder a maçã, saboreá-la, devorá-la de pedaço em pedaço até desfalecer-me de satisfação. Meus lábios voltaram a tocar a maçã. Os dentes cravaram em sua polpa deixando escorrer o suco, que rapidamente foi buscado com a língua. O perfume da maçã, exalado solto no ar, completou a magia do instante. E a cada mordida, experimentei o prazer de dar um sentido diferente à existência daquela maçã entre minhas mãos e boca e entranhas. Ao final, escolhi o significado que mais ecoou e se identificou comigo naquele momento de plena inteiração. A maçã tinha um sentido, e eu o descobri.

sábado, 20 de julho de 2013

LARANJAS ESPECIAIS


Suco de laranja com couve, ou
Com cenoura. Talvez com beterraba.
Suco de laranja com espumante, ou
Com cachaça. Talvez com cerveja.
Suco de laranja com as crianças, ou
Com o amor. Talvez com os amigos.
Suco de laranja com esporte, ou
Com assunto. Talvez com bom livro.
Suco de laranja com o calor, ou
Com mais calor ainda. Talvez com o frio.
Suco de laranja com carne suína, ou
Com ambrosia. Talvez com abacaxi.
Suco de laranja, ahh, é bom de todo jeito!
Vendo laranjas para o seu suco. Especiais
E o preço está bom, freguês, vai comprar?


foto por Rosa Helena
 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Bullying


Nesta semana recebi correspondência emitida pelo colégio do meu filho. Estampado na capa do folder estava o título: “Bullying – Precisamos conversar sobre este assunto.”

Ávida, abri e devorei o material. Aprovei a iniciativa e endosso a preocupação. Este tema é extremamente pertinente nos dias de hoje, pois comportamentos agressivos dirigidos ao outro, pela ação do corpo ou das palavras, tem sido comuns nas escolas, no trabalho e nas atividades de lazer. Comum na vida de crianças, jovens, adultos e velhos. E possuem o poder deplorável de lesar a integridade física e/ou moral do atingido.

Nem toda agressão e humilhação infringida são identificadas como bullying, às vezes tem o nome de assédio moral, e outras vezes não tem nome específico à especificidade, mas tais comportamentos sistematicamente dirigidos ao outro se destinam a ferir, magoar, submeter, inferiorizar, desvalorizar, desqualificar, denegrir. Enfim, maltratar. Simplesmente, maltrato gratuito e incompreensível.

Todos nós precisamos conversar muito e bem mais sobre este assunto. Devemos olhar e analisar nossos comportamentos e das nossas equipes. Precisamos reconsiderar nossas posições e posturas, assim como aprender a solicitar ajuda para nos libertar de qualquer um dos polos: de agressor ou de agredido.

Pequenos comportamentos indesejáveis e reincidentes, antes que possam ser batizados, ou identificados aos conhecidos bullying ou assédio, já são avisos. Cuidado, preste atenção.

Escrevendo este texto lembrei-me que há poucos dias soube da chateação de uma amiga. Ela me confidenciou que vinha sentindo descontentamento na academia de ginástica que frequenta, pois de uma hora para outra passou a ser ignorada pelo professor instrutor. Para realizar os exercícios prescritos tinha que ficar esmolando orientação. O professor demonstrava descaso total com ela. Havia dias em que ele nem dava conta da sua presença, se havia chegado ou se ainda não tinha ido embora. Apesar disso, insistia na academia, pois, no contexto geral, a situação ainda se apresentava cômoda a ela.

Aí, um dia, uma amiga da academia chegou atrasada e quis fazer os exercícios, porém o professor não a autorizou em função do tardio da hora, mas logo em seguida outra colega do mesmo horário chegou, e ele, além de permiti-la nos aparelhos, dedicou-lhe excessiva atenção. O professor vive envolvido em conversas e gargalhadas com alguns selecionados alunos, demonstrando mais interesse no chimarrão do que em atender os demais alunos. Minha amiga ficou alerta ao desaprovar  o presenciado. Assim como acontecia com ela, percebeu que outras pessoas também eram atendidas com a mesma desconsideração.

Não bastasse a sucessão de comportamentos censuráveis, na última aula que  frequentou, ela se agachou para pegar um objeto e não percebeu a barra de ferro no meio do caminho. Foi com tudo e deu de cabeça no ferro. Tonteou. Dois colegas desataram rindo e ninguém ofereceu ajuda. Nem o professor. Incomodada e com dor na cabeça solicitou gelo ao professor. Ele fez menção de indicar que ela buscasse, mas saiu da sala para pegar o gelo. Ela também saiu e ficou frente à porta. Seguiu o instrutor com os olhos. Ao invés dele se dirigir ao local do gelo, o professor foi à outra sala mais adiante, conversou com colegas, cruzou e cumprimentou várias pessoas, sempre solto e com muitas palavras. Só depois de alguns longos minutos é que retornou com o gelo. Minha amiga sentiu-se desconsiderada, desvalorizada, desrespeitada. Agradeceu o gelo, pegou suas coisas e foi embora, magoada. Colegas nem professor, em momento algum, tiveram qualquer comportamento de solidariedade e acolhimento.

Diante do apresentado eu sugeri que ela se dirigisse a algum superior para conversar. Minha amiga não creu na eficiência da medida, e sua resposta foi que o professor faz grupinho e respalda-se nele, que é apreciado pelas pessoas a quem adula, e que ele tem a condescendência dos colegas e superiores pela história de vida difícil ou triste. 

Independente de haver mais motivos ou não, fiz a pergunta: “Tu precisas disso?" E completei: "Aqui tem um sinal. Avalia bem a conjuntura, tanto o lado de lá como o de cá. Se a situação for realmente como me expuseste, com certeza, esse ambiente não está saudável, procura um lugar melhor para ti”.

Nem sempre a história é tão simples assim. Este exemplo expõe um comportamento repreensível, porém com saídas de baixa complexidade. Em outras ocasiões as decisões precisam ser outras, e são bem difíceis de serem tomadas. Hoje mesmo, conversando com uma colega psicóloga que trabalha no serviço público, soube que vem sofrendo de assédio moral no trabalho por se posicionar, apoiada no Conselho da classe, sobre o tão questionável “Ato Médico”. Desde então a colega recebe emails com toda forma de agressão e coação possíveis. A profissional vem adoecendo para enfrentar o ambiente de trabalho hostil que a chefia promove, e defender seus direitos de pensar e de trabalhar dignamente. Aqui a decisão a ser tomada é bem mais complicada. Há de se pensar muito e agir com cautela. Torço pelo seu êxito.

Ao longo dos últimos anos ouvi muitos relatos, nem sempre confidenciais, de pessoas que sofreram atos de bullying ou de seus derivados. Inclusive, já presenciei atitudes de maltrato, em sutilezas, aniquilando a pessoa do outro na sua fragilidade. Por vezes, um adulto alvo da agressão até consegue se esquivar dos ataques ou descasos, e romper ou fugir do ciclo de dor, mesmo que chamuscado e ferido na sua autoestima. Mas crianças, jovens e velhos, expostos a situações de maltrato, são profundamente vulneráveis aos prejuízos decorrentes deste tipo de comportamento. Desumano.

Se os adultos não sabem se comportar, eles que são exemplo, qual o comportamento que esperamos de nossas crianças e adolescentes no ambiente escolar?

“Bullying – Precisamos conversar sobre este assunto.” Até gastá-lo. Até suprimi-lo.

 
 
 

terça-feira, 16 de julho de 2013

MENSAGEM INADIÁVEL


Será agora!
Ajeito-me na cadeira
Respiro fundo
Concentro-me.
Dedos postos sobre as letras
Fecho os olhos por segundos
Editarei mensagem
Coragem!  
Eu sei que posso
Vou conseguir. 
Escreverei
Serei sucinta 
Direi tudo:
“Amado,
quero dançar tango,
queres aprender
e dançar tango comigo?”

domingo, 14 de julho de 2013

POSSÍVEL

março 2013
 
Amor possível. Impossível, não o quero!

Desejo o amor lascivo valsando suado,

Incompreensivelmente derretido e sorvido

Em meio às sombras do entardecer - etéreo.

Desejo amor arteiro amado ao mero acaso

Lambuzado de vida insana, loucura que cura.

Possível.

 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Sobre adolescência e fases da vida


Confidências da alma rascunhadas em pedaços de papel rasgados e cortados irregularmente. Assim recebi de uma adolescente o direito de conhecer seu mundo. Coerências e incoerências escritas em letra bonita arredondada. Impulsos em busca do limite e do próprio domínio; indiferenças aguardando o sentido das coisas; conflitos e questionamentos postos ao avesso ensejando o fortalecimento da personalidade de uma menina, quase moça. Intrincado processo de crescimento em poesia - flores e pedras cantadas, cuspidas, abandonadas.
Não é fácil ser adolescente. Na adolescência sofre-se pelo mundo, sofre-se por si, sofre-se por tudo e por nada. A adolescência é dolorida. Os jovens são perturbadores no seu enfrentamento, são tão cabeças dura, são rebeldes e perdidos. Ao mesmo tempo, é maravilhoso ser adolescente. Na adolescência encanta-se pelo brilho do grão de areia, encanta-se pela criação de um pensamento, encanta-se por qualquer coisa ou por coisa alguma. A adolescência é bela. Os jovens são lindos no seu frescor, são tão criativos, são corajosos e renovadores em suas transgressões. Adolescência: travessia complexa entre a magia da infância e as cobranças da vida adulta.
Lendo as efervescências de uma adolescente recordei-me das tantas adolescências acompanhadas, todas recheadas de momentos eufóricos e de infinitas desilusões. Neste período da existência vive-se facilmente a felicidade sem tamanho, e, instantes depois, descobre-se um comportamento ou uma vontade irresistível à morte, pelo simples objetivo de fugir de tudo e de todos.
Lembro com certa saudade dos dramas e das confusões da minha adolescência. E dos amores... Mas admito, foi bom ter sido reivindicada a desbravar o mundo adulto, ter concentrado energias ao produtivo, sem a extravagante turbulência emocional do período anterior. Foi saudável ter conseguido estabelecer um razoável acordo comigo, e com o meio, para prosseguir na construção da família e de um legado. Ao deixar a adolescência para trás, conscientizei-me que a vida é processo de evolução, e que todas as fases da vida têm brilho e escuridão, têm calmaria e guerra, têm alegrias e penúrias.
Motivada pelas revelações escritas de uma adolescente, gostaria de fazer minhas confidências da alma neste breve espaço organizado. Mas não posso confessar o que em mim já virou refrão. Na minha “envelhecência” não tenho dúvidas, não tenho angústias nem medos, apenas muita curiosidade. Nos meandros da vida eu aprendi fazendo esforços; sofri nas minhas e nas mãos dos outros; enxovalhei preciosos momentos; recuperei destino; fui feliz apesar dos pesares. Agora, diante do novo futuro, talvez já menos rebelde e exigente, estou pronta a inventar um jeito meu de ser velha com brilho, mesmo que haja escuridão; estou desejosa para desfrutar da calmaria, antes ou depois das guerras necessárias. Quero desvendar as alegrias da velhice e fortalecê-las em mim, pois só assim poderei dar conta das penúrias que hão de se atravessar no meu caminho. E vencer.
Todas as fases da vida estão impregnadas de cores a partir do máximo de luz até a sua ausência. O nosso desafio é selecionar e imprimir as cores possíveis na perspectiva da grande obra de arte que é a nossa própria vida.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Oi, tudo bom?



Um dia, já na faculdade, fiquei surpresa ao cumprimento de antigo professor de colégio. Numa cruzada, em loja ou mercado, não lembro bem, o professor que não me via há anos olhou-me, sorriu, chamou pelo meu nome - sim, ele lembrava-se de mim, sabia quem eu era -, e foi gentil referindo-se ao tempo passado com simpatia e desejando-me sucesso no futuro.
Minha percepção de mim dizia que eu havia sido uma estudante perdida em desempenhos medíocres, com alguma aptidão para os esportes, mas sumida em quietude dispersiva na sala de aula - mais um número dentro das muitas salas de aulas abarrotadas de alunos. E por isso, acreditava-me transparente, ou melhor, invisível.
Quando o antigo professor me reconheceu, me dirigiu a palavra chamando-me pelo nome, o meu coração brilhou e eu fiquei radiante, me senti valorizada, muito especial. Nunca imaginei: eu era vista, era percebida, havia sido lembrada. E eu nem era grande coisa.
O tempo passou, mudanças aconteceram dentro e fora de mim, e no movimento de todas as coisas eu venho me tecendo, me estabelecendo e me mostrando. Hoje sei reconhecer minhas virtudes e limitações com menos discrepância da percepção do outro. Sei que sou vista e reconhecida.  Muitas vezes aprovada e admirada, mas nem sempre.  E gosto disso.
O tempo passou. E no trânsito do tempo, passei a ver os outros que, assim como eu um dia, creem que não são enxergados, não são identificados, nem são especiais no seu ser ou fazer para além dos mais chegados. Passei a olhar com carinho aos que não imaginam o tamanho que tem e da grandeza que são. Passei a dedicar-lhes o meu cumprimento diário, a minha breve e sincera atenção, e, em quantas oportunidades, a minha mais leal amizade. E vejo nelas a mesma surpresa que percebi em mim anos atrás, por vezes, até, certa incredulidade pela deferência. E, em quase todas às vezes, o meu sensor detecta a conexão de duas pessoas felizes em pleno brilho da existência de uma para outra.
No entanto, em raras ocasiões, e sempre possível de voltar a acontecer, eu fiquei com o cumprimento no ar, sem o olhar nem o acolhimento à minha provocação; eu recebi a indiferença ou o rancor de alguém que, naquele momento, certamente preferiria estar na anônima e total invisibilidade. E que, por pura ignorância minha, ou pelo afã em abraçar com as palavras, eu não soube respeitar. A estes, peço mil desculpas pela insensibilidade.
A todos os outros da vida rotineira, que me sorriem e me cumprimentam e compartilham comigo de singelos momentos, muito obrigada por existirem, vocês iluminam os meus dias.