Inesperadamente a mão estendida
na minha direção sustentava uma maçã vermelha, lustrosa, vigorosa. Era para
mim. Fiquei surpresa. Uma maçã sedutora e apetitosamente bela. Meus olhos
permaneceram vidrados na maçã. Ela era para mim. Eu não cria. A mão estendida
sorria discreta e sussurrava: “pega!”
Hesitei. E fascinada peguei. Meus
olhos mantinham-se pregados e embevecidos na maçã, enquanto a boca, impetuosa, avançou
e quis agir pelo instinto - escorria desejo pelos cantos -, mas não fora
autorizada. “Pare!” Disse o pensamento. “Aprecie.” A boca ainda quis insistir,
mas ao toque dos lábios na fria e rubra casca, ela se derreteu e beijou a maçã.
Roçou-se na fruta. Deslizou a língua docemente por sua superfície.
Com os olhos já fechados, eu
apreciava o gosto evocado pelos movimentos sensuais da boca a lamber a fruta do
amor. Ou era do pecado? Ou será que aquela maçã era a da bruxa? Os olhos se arregalaram,
a mão que segurava a maçã afastou-se da boca afastando também a fruta. Os
lábios esconderam a língua e apertaram-se um contra o outro.
Afinal, qual o sentido desta
maçã? Por que ela me foi presenteada, e agora estava a me estontear e me seduzir?
Será que ela queria inspirar-me ao amor, trazer-me uma mensagem romântica,
acalentar meu coração ao breve romance? Ou será que ela queria chamar-me ao
pecado da luxúria, fazer-me entregue ao prazer dos sentidos, explodir minhas
emoções num momento intenso de paixão? Ou (por que não reparei na mão?), será
que ela queria me envenenar diante da vida, paralisar-me diante do belo e
retirar-me o viço, apagar-me para que outras belezas sobreponham-se a mim?
Quando o danado do pensamento
começou, abandonei a bela fruta na mão em concha e segui deslizando atrás de
ideias e reflexões, fui à busca dos muitos signos da maçã. Quantos símbolos a maçã
nos sugere? Vejamos: tem a maçã do paraíso exibindo o pecado. Tem a maçã do
conto de fadas insinuando o amor e a traição nas relações. Ah, tem também a maçã de
Newton destacando descobertas e avanços para a ciência. Será que a minha maçã, com tanto
encanto, me chamava a possíveis e futuros investimentos intelectuais? E a maçã
do heroísmo? Raramente lembro-me dela, mas o pensamento pescou-a de um canto remoto
da memória. Esta maçã enobrece a bravura do herói (um lendário suíço do período
medieval) que atira de sua besta a seta contra a maçã posta na cabeça do filho
(ao cumprimento de um castigo imposto) e ela atravessa a maçã sem tocar no menino. Talvez
a maçã, a mim oferecida, estivesse desafiando minha bravura aos enfrentamentos
necessários. Mas ela parecia tão doce e sedutora, será? Sim, tem também a maçã
mordida, aquela da grande marca comercial, apresentando um discurso mais
moderno, nos comprometendo ao contemporâneo e nos impulsionando à
transformação.
Naturalmente outros significados já foram atribuídos à maçã,
mas a minha maçã estava ali, maravilhosamente bela, parada esperando por mim. Eu não
queria mais pensar, em nada, e abruptamente estanquei o fluxo do pensamento. Eu
queria simplesmente morder a maçã, saboreá-la, devorá-la de pedaço em pedaço até
desfalecer-me de satisfação. Meus lábios voltaram a tocar a maçã. Os dentes
cravaram em sua polpa deixando escorrer o suco, que rapidamente foi buscado com
a língua. O perfume da maçã, exalado solto no ar, completou a magia do instante.
E a cada mordida, experimentei o prazer de dar um sentido diferente à
existência daquela maçã entre minhas mãos e boca e entranhas. Ao final, escolhi
o significado que mais ecoou e se identificou comigo naquele momento de plena inteiração. A maçã
tinha um sentido, e eu o descobri.