As aventuras e desventuras dos adultos de meia
idade e idosos acima dos 60 anos é tema de suma importância nos dias de hoje.
São pessoas que frequentemente continuam dando suporte emocional ou financeiro
aos filhos adultos, colaboram no cuidado dos netos, mantêm-se atentos às
demandas do parceiro afetivo, administram a profissão, a casa, e minimamente os
compromissos (formais ou informais) com o condomínio, vizinhos, clubes
filantrópicos etc. E, para além desses compromissos, sem abandonar-se e/ou
maltratar-se pela sobrecarga, ainda necessitam assumir a nova responsabilidade
de cuidar dos pais muito idosos, geralmente já com restrições na saúde e
exigindo cuidados especiais. Pais muito idosos que não conseguem mais gerir a
casa com suas demandas, nem seus recursos financeiros e o próprio dinheiro, tão
pouco os cuidados básicos com a saúde.
Uma geração de pessoas à beira da velhice destinada
a viver super-ações. São adultos super exigidos, super dinâmicos, super
estressados, super promissores, super incompreensíveis, super amorosos, super e
super tantas outras coisas.
Observação: Eu estou nesse grupo de jovens idosos
em “SuperAções”, apenas não tenho netos, o que é uma lástima, pois eu
adoraria...
Sobre as desventuras dessa nossa geração, não é
preciso se alongar, é fácil imaginar. O cansaço domina, o desânimo se apresenta
intermitente, a sobrecarga por vezes faz a pessoa querer desistir de tudo. E o
pior, volta e meia surge um sentimento crescente de abandono ou solidão em meio
a tudo.
Mas todos os infortúnios podem tornar-se pequenos
diante das possíveis e gratificantes surpresas ao se cuidar dos pais muito
idosos. Responsabilidade geradora de experiências inexplicáveis, inomináveis.
Principalmente quando nós como filhos abrimos novas perspectivas para reestabelecer,
requalificar e/ou reinventar as relações históricas que tivemos com os nossos
pais, nem sempre muito afinadas ou felizes durante o tempo pregresso. O
convívio no percurso da vida costuma produzir incompreensões, ressentimentos e
impaciências dos filhos com seus progenitores (e vice e versa), críticas
imperdoáveis aos seus defeitos e chatices, quando não a breves e escassas
manifestações de carinho. Porém, de repente os pais não ordenam mais, eles
choram ao pedir; os pais não são mais a fortaleza que representavam e se
derretem mandando beijinhos assoprados; eles tornam-se tão doces e tão
escancaradamente encantados com os filhos cuidadores que até dá remorso guardar
qualquer gota de ressentimento. Muito presenciei dessas cenas no meu trabalho
com as cuidadoras de idosos.
Mas não é fácil chegar nesse estágio, eu asseguro.
Outro dia vi a postagem de uma idosa filha pedindo para não ser julgada por
cuidar de má vontade da sua mãe hospitalizada. Certamente uma mãe que não
correspondeu aos seus anseios ao longo da vida.
Se nós como filhos interpretarmos que nossos pais
muito idosos são apenas fonte inesgotável de problemas e preocupações, ou que a
existência alongada dos pais só aumenta pesarosamente as nossas demandas; se
como filhos idosos não entendermos a magia de expandir os limites do papel de
filho nessa vida de tantas voltas, ou não conseguirmos, de coração aberto,
redescobrir nossos novos velhos pais; os ressentimentos se nutrirão com o peso
que daremos à relação, e provavelmente tais sentimentos esvaziarão afetos dos
mais relevantes, como de nossos filhos e netos.
Eu falo mergulhada na plenitude dessa experiência
nos âmbitos profissional e, acima de tudo, pessoal. Sugiro aos filhos, idosos
como eu, que atendam as obrigações com os seus pais muito idosos, e jamais
percam a infinita capacidade de amar que trazemos em essência no âmago do nosso
ser. Dessa forma não sofreremos com culpas internas nos amargurando, ou com
culpas projetadas (em quem quer que seja) nos arranhando.
Hoje eu tenho com o meu pai a relação mais incrível, mais pura e
honesta, e os momentos mais amorosos de nossas vidas, apesar de todas as
limitações que o presente nos impõe.
E as imperfeições da nossa história... Evaporaram!