terça-feira, 24 de abril de 2012

NO SILÊNCIO





Sinto falta do nosso silêncio!

Não o encontro na luz do dia

Nem mais no breu da noite fria,

Mas vou acender doce incenso

E procurar o reservado silêncio.



Pessoas diversas falam comigo

Vozes ruidosas falam sozinhas

Ouço até conversa de vizinhas

Grito e ameaça de algum inimigo

E, cadê o meu silêncio amigo?



Os barulhos misturados são de gente

Cães, máquinas esquisitas e caminhões,                          

Acidentes em esquinas e construções

Preciso um pouco de silêncio. Urgente.

A paz me foge como a água corrente.



Sinto falta do tempo em pleno silêncio,

Seja o silêncio do campo ou do mar

Silêncio do ar ou do pássaro a voar.

Busco na serenidade da hora em silêncio

Submergir no meu eu solto e intenso.













Epílogo

Ao silêncio os meus sentidos livres se aguçam;

Vibro amor e me perco nas travessuras da paixão

Derreto ao ardente beijo e no arfar da respiração,

Cintilo de prazer à dança dos corpos que se buscam!

No silêncio, sou o meu melhor em criativa evolução.






domingo, 22 de abril de 2012

Um pouco de Borralheira e de Adormecida




Ela foi casada com ele por vinte anos. Ele nunca foi casado. Eles tiveram um filho que ela cuidou como a um príncipe; ele inclusive gostava da criança. Ela viveu a vida girando em torno dele; e ele bem que aproveitou de todas as atenções dispensadas por ela. Algumas vezes, ela até tentou acordar da hipnose em que vivia, mas ele mantinha o feitiço com mandingas executadas na treva das noites.

Um dia, ao beijo do amor próprio, e à gritaria provocada por seus amigos da floresta de pedras, ela saiu do sono profundo e enxergou. Mais do que nunca, ela precisava existir. E reagir. Percebeu-se só sem o amor e o carinho do tão amado e desejado companheiro. Soube que dele tinha apenas a piedade. Naquele relacionamento ela havia se transformado numa serviçal de luxo de um homem vaidoso e egoísta.

As lágrimas liberadas copiosamente ajudaram a secar as muitas feridas do seu coração. As gorduras acumuladas e espalhadas pelo corpo foram derretidas pelo permanente estado febril, decorrente da inflamação da alma, que perdurou por alguns meses. Os fios de cabelos brancos, que apontavam aos tufos na cabeça, puderam ser recobertos com coloridas tintas ao passar do tempo. E os amigos, um bom número de amigos que acompanharam tristemente ao desperdício daquela vida, nunca mais a deixaram exposta a qualquer tipo de abandono.

A adormecida acordou.  A borralheira virou rainha. Rainha da sua própria vida e destino. Ela mudou: ficou forte, mais decidida, muito mais mulher. Passou a cuidar-se, como por vinte anos cuidou dele. Tornou-se efetivamente produtiva ao trabalhar na própria profissão, focada nela mesma, dedicando-se com o mesmo empenho e a perseverança que sempre dispensou ao trabalho desvalorizado de cuidar do outro.

E o sorriso que, apesar de tudo, ela sempre manteve em seu rosto, ficou tão imensamente brilhante e radiante, refletindo enorme quantidade de luz aos seus próprios olhos, que a fez ficar a semelhança de um anjo caído do céu.

Antes ela era uma mulher bonita, hoje ela é uma bela e grande mulher. E é de uma suavidade de ser, ela mesma, encantadoramente contagiante. Antes ela pensava-se feliz, hoje ela sabe-se feliz.

E ele? Nunca ninguém quis saber o que fora feito dele. Ele não era um homem mau, mas estava longe de ter sido bom para ela. Talvez hoje ele esteja aprendendo a cuidar da própria vida. Ou não.




quinta-feira, 19 de abril de 2012

GULA



Amigo querido imagine comigo:

Um cheiro dançantemente apetitoso

Uma cara coloridamente apetitosa

Um gosto apetitosamente saboroso.



Como resistir a sedução de um cardápio

Repleto de comidinha insinuante e provocativa,

Prerrogativa da refeição guarnecida de delícias,

Quando se está faminto, ávido pelo prazer da gula?

Como não cair no exagero de querer tudo devorar?



Pois ao tatear no corpo as gordas dobras desbeiçadas

Excessos acumulados através de alguma negra magia

Ouvi a voz da sabedoria, discreta, me responder:



Aspire fundo o aroma e olhe a beleza do alimento.


Retenha essa sensação de prazer.


A comida não irá fugir!


Não tenha pressa em ingerir, sinta o gosto antes de provar,


Experimente o êxtase já ao salivar. Depois mastigue bem


E ao engolir devagar, aprecie separada e misturada


Cada uma das maravilhas. Fique muito calma.


A comida não irá fugir!


Sinta a satisfação crescendo ao paladar saciado de prazer.


E deixe um pouco do gozo para depois. A fome irá voltar.


E a comida não irá fugir!




Ah, meu amigo, será isso um castigo? O alerta de um perigo?

Ou a solução em índigo?

Explodir de prazer? Já vi, não há de ser por aqui!






domingo, 15 de abril de 2012

É ruim mas é bom



Sentei-me diante do computador com o firme propósito de ser concisa. Recebi alguns pedidos para ser breve em meu texto.  Não prometo sempre, mas hoje tentarei dizer sem me estender.


A ideia é discorrer sobre as oportunidades que temos na vida, mesmo quando elas nos parecem inoportunas.


Outro dia, dando acolhimento à dor de uma jovem amiga que sofria pela doença do pai, ouvi-la dizer que o episódio deixou-a tão desestruturada, que não se reconhecia nela mesma. Foi ao seu relato que emiti minha opinião: “A vida é aprendizado o tempo todo, a cada experiência podemos nos desenvolver e evoluir.”  As poucas palavras repercutiram sobre a provável autocensura embutida no desabafo, e apaziguou, pelo menos momentaneamente, aquele turbilhão de emoções a roubar-lhe as energias.


Desejo de coração que ela guarde a sensação de conforto que tais palavras lhe provocaram, e consiga usá-las em momentos difíceis futuros.


A verdade é que diante da felicidade e da calmaria nossas oportunidades são menos provocativas, e nossa tendência é olhá-las com complacência. É diante do caos que temos nossas melhores oportunidades; é quando somos desafiados efetivamente e, por isso, concentramos todas energias para superar nossas limitações. Pois, é por efeito da desacomodação que prosperamos.


Então, são nas situações mais inoportunas que encontramos nossas mais fortes oportunidades para reação e evolução. Podemos chorar, mas não devemos deixar de lutar.




quarta-feira, 11 de abril de 2012

DONA ZUZA





Doce senhora com empertigado ar fidalgo

Debruçada ao peitoril por horas e horas a fio

Põe-se com o olhar parado em outro tempo

Sorrindo discreto ao prazer sem encalço

Alheia a todo e qualquer estímulo do agora





Arrumada a fazer bonito em qualquer palco

Febril não sente o vento no rosto fazer-lhe frio

Tem na janela dos olhos o seu passa(do)tempo

Talvez a ver-se graciosa com os pés descalços

A sentir mais uma vez o terno beijo de outrora
 



segunda-feira, 9 de abril de 2012

As finanças e meu lucro

Contas e mais contas amontoam-se sobre a escrivaninha. Quando consigo eliminá-las, uma a uma, começa tudo de novo. Ai que suplício! Tormento maior é quando o correio não entrega algum boleto, e eu não lembro que a conta existe (meu senso de organização é dos mais precários), ainda tenho que pagar com multa, juros e tudo mais. É muito ruim.

Meus filhos me ensinaram a usar planilha, fazer planejamento e organizar as finanças, mas quando vejo o caos se instala novamente, e nada funciona como deveria. Consegui evoluir em vários aspectos da vida, porém costumo andar derrapando nas questões das finanças. Será que neste quesito sou incapaz de melhorar?

Enquanto estive casada coube ao marido zelar pela organização financeira do lar, visto que eu tinha muitas atribuições com a casa, com os filhos e o trabalho. Diante da separação obrigatoriamente assumi a administração geral da vida, inclusive deste tão complexo item para mim. 

Desde os primeiros dias de separada, fui cumprindo com os meus deveres sem muito pensar. Corria com os filhos para a escola e às atividades extras, corria ao trabalho, corria ao supermercado e banco, e a suprir todas as necessidades da família. Corria para tudo e o tempo todo.

Num daqueles dias, voando de cá para lá ou no sentido inverso, recebi o telefonema do gerente da minha conta bancária. Efetivamente não o conhecia, nunca havia pensado ter assunto com o gerente do banco, menos ainda naquele momento atribulado. Ele foi objetivo:

- Dona Helena? A sua conta excedeu o limite em R$ 2.100,00. A senhora deve repor essa importância até às 16 horas para evitar maiores complicações.

Levei um susto. Já eram 13 horas. Como isso aconteceu? Como levantar essa importância em menos de 3 horas? Para quem pedir, assim, de uma hora para outra, esse dinheiro todo? Entrei em pânico. Desmarquei meus compromissos até o meio da tarde e, mais uma vez, saí correndo mundo afora a conseguir tal quantia, que nessas alturas, nem sabia mais qual era o valor, apenas lembrava que era bastante dinheiro para buscar tão de repente.  

Telefonei a irmãos e pais, fracionei o montante da dívida, e cada um contribuiu com o quanto dispunha no momento. Cheguei esbaforida no banco 2 horas depois. Aguardei a vez de falar com o gerente em pleno e único estado de ansiedade. Não demorou, e eu estava sentada à frente de um senhor que eu nunca tinha visto antes, em um canto do banco, e com um monte de dinheiro espalhado sobre a mesa do homem, entre notas e cheque. Foi exatamente neste momento que, sem mais nem menos, desabei em choro. Totalmente fora do script.  

O gerente olhou-me com empatia, juntou o dinheiro e contou-o.  Depois disse:

- Fique calma, vou ajudá-la. A senhora trouxe quase o dobro do dinheiro que precisava. O que aconteceu? Por que chorou?

Que vergonha! O desespero fez-me levar muito mais dinheiro do que faltava. A tensão foi tão grande que acabei chorando como criança diante daquele homem desconhecido. Sequei minhas lágrimas.  Sentindo-me aliviada, contei sucintamente que havia me separado há pouco, que me encontrava desorganizada e não conseguia administrar meu dinheiro, que vinha sobrecarregada com tanta nova incumbência, e que tudo isso deveria ser passageiro.  

- Eu vou cuidar da sua conta; se quiser posso ensinar como administrar o seu dinheiro. Fique tranquila. Daqui para frente tudo vai ficar bem.

E foi o que aconteceu. O gerente passou a dar atenção à minha conta e me orientar ao básico da movimentação bancária. E o melhor de tudo: ganhei um bom e querido amigo. Sempre que podia, eu ia ao banco tomar um cafezinho com o gerente e conversar de tudo um pouco, até sobre como aplicar meu dinheiro, o que logo passei a fazer. Enquanto o bondoso homem foi o gerente daquela agência bancária, minha conta funcionou com êxito. Lamentavelmente, quando ele se aposentou, devagar fui perdendo meus importantes aprendizados. Mas, creio que o mínimo dos básicos eu ainda preserve, pois nunca mais estourei minha conta. Sim, eu sei, isso é muito pouco!

A verdade é que a minha organização financeira sempre andou a remo; com supervisão até arrisquei alguns passos, mas sozinha estagnei. Assim sendo, hoje continuo enredada com a pilha de pagamentos, prazos, datas, boletos e saldos. Não consigo competência nessa seara. Mesmo assim, sou feliz: invisto em amizades. Os amigos incessantemente obtêm de mim o melhor, sem reservas. Aqui sei que sou competente. E no somatório das contas, tenho certeza, eu fico com o lucro maior. Amizade não tem quem pague; é bem que não tem preço!


quarta-feira, 4 de abril de 2012

OLHEI

Janeiro 2011





Parei e procurei

Nas profundezas do meu pensar.

Concentrei e procurei

Na introspecção do meu sentir.

Mas qual nada,

O que foi que eu encontrei?



Cruzando com tantos,

Fazendo história com muitos,

Construindo vínculos com alguns,

Vivendo o destino na medida.

Mas qual,

O que foi que eu encontrei?



Meu olhar olhou e cruzou com o teu.

Mas,

O que foi que eu encontrei?



Foi quando olhei para ti

Que na tua imagem eu me vi.

E foi olhando para ti

Que lentamente me descobri.





Contigo os sonhos são perfumados.

Dos teus lábios meu desejo: beijos molhados.

Por ti o amor pulsa, chora e sorri.

Olhando, olhei para ti. E me percebi.








domingo, 1 de abril de 2012

Os artistas e suas artes



          Lendo uma coisa cá outra acolá, não sei bem como, me deparei pensando em duas pessoas tão diferentes quanto parecidas. Isabel Allende e Araquém Alcântara são seres inspirados e apaixonados, incumbidos pelo destino a serem reveladores dos mistérios e misérias da vida. Com seus trabalhos nos fazem ver o que frequentemente ignoramos diante da precipitação do dia a dia.

Quisera eu ter a sensibilidade e imensa capacidade que eles têm em seus fazeres. Isabel Allende, na ficção e através de seus personagens, recria e denuncia a realidade opressiva sofrida na América Latina, sob o olhar do feminino.  Alicerçada em fatos, experiências pessoais e familiares ela enaltece valores como o afeto e a família. Araquém Alcântara, com o uso das lentes e na captura de imagens densas e intensas, que falam por si só, registra o povo e a natureza brasileira. Evidencia a beleza  e a exibe em suas tramas.

Dois caminhos a tocarem nossas almas; competências diferentes a enaltecerem a beleza da arte e da vida. Aprecio os artistas, me fascinam suas artes - eu prezo a vida que eles nos mostram! E  pela amplitude de seus olhares, que enxergam o que fica fora da nossa visão ou imaginação, consigo enriquecer meu presente e nele viver momentos mágicos.

Porém, mesmo diante do entusiasmo poético, quando paro a pensar no meu agir, percebo que meu braço é curto. Minhas paixões manifestam-se ao restrito mundo que me cerca e às ações que consigo viabilizar. O que me cabe parece singelo e de pequeno alcance, mas tenho a pretensão de somar meu acanhado fazer à produção dos outros, e assim fazê-lo crescer. Busco certificar-me que o sublime se constrói com um pouquinho do saber de cada um de nós.

E mais uma vez concluo: a vida me seduz sob todos os prismas que a vejo.