terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Meu tempo, meu silêncio.


Ontem cheguei a casa quando o dia já se perdia em sombras. Eu estava atordoada do trabalho exaustivo, das pessoas impertinentes e egoístas, do trânsito agressivo, da rotina maçante. Enfim, encontrava-me saturada de tudo. Cruzei portas até irromper no lar, doce lar.  Soltei a bolsa e demais tralhas sobre o console perto da porta e, aos tropeços, caí feito um saco de batatas na poltrona mais próxima, simplesmente a me deixar esparramar sobre ela. Fiquei ali perdida do tempo, amorfa e anestesiada olhando o nada em meio à penumbra, pois não me dignei nem a acender alguma luz.

Inerte como viga de concreto, estranha e quase imperceptivelmente fui sendo virada ao avesso enquanto sugada em suaves e ritmadas contrações para dentro de um silêncio profundo e doloridamente ardido. Um silêncio entre outros tão meu. Ansiava por instantes de silêncio, qualquer que fosse a circunstância e o jeito, mas as urgências, sempre elas, vinham com autoridade e se impunham como exército em guerra. E o silêncio sufocado, dia após dia, foi se adensando, se espinhando, se ressentindo. Agora, meu silêncio em carranca, amargo, cobrava de mim tempo e atenção. Minhas lágrimas ausentes choraram o nosso encontro.

A verdade é que meu silêncio têm muitos modos e sentidos. Ele, assim como a solidão e o vazio, em composição ou individualizados, dizem muito de mim, revelam a fragrância da minha essência. São instâncias indispensáveis à minha sobrevivência no mundo. Naturalmente que necessito, e muito, da inserção nos grupos das pessoas, de ouvir os ruídos e a musicalidade da vida, assim como estar rodeada pela natureza e obras humanas. Mas a minha balança exige o contraponto às demandas externas. Talvez, a essa falta de consideração, o silêncio tenha demonstrado indignação me arranhando a alma.

Assim foi que a noite cresceu no avançar das horas e o breu tomou conta do ambiente. Eu nem percebi, pois estava completamente dominada pelos braços do silêncio e com a atenção, hipnoticamente, cravada nele. Devagar o silêncio doído foi se amansando e, com doces carícias de acolhimento, me seduzindo. E lá pelas tantas, sem que eu entendesse ou explicasse, me peguei de olhos encostados e sorriso estampado na cara, embevecida com a transformação do silêncio em cores tremulantes irradiando-me leveza. Silêncio, meu refúgio de paz.

O silêncio se harmonizou comigo e eu, através dele, me harmonizei com o momento e os fardos que compõem a bagagem que devo carregar mundo a fora. Recomposta do estresse do dia, pulei da poltrona com uma fome de cão e corri à cozinha para descolar as paredes do estômago com alguma guloseima. Não quis saber das horas, pois já me sabia atrasada, como sempre. Deixei para o dia seguinte à conferência do tempo do relógio, do tempo da meteorologia, do tempo dos afazeres, do tempo das festas de final de ano. Para a conferência do tempo a se criar ao próximo encontro com meus silêncios.

E o frenesi continuou como a ventania da noite. “Quantos dias faltam para chegar o Natal? Céus, eu ainda tenho que correr muito para caber no tempo - qualquer um deles.”