sábado, 13 de outubro de 2018

O mal fadado beijo

A conversa começou assim, pelo whats:
Ele: “É verdade que ontem tu desligaste tudo às 21 horas? E me deixaste querendo um beijinho?”
Ela: “Tentei ler na cama e mal consegui passar os olhos em duas ou três páginas... Desmaiei de sono.”
Ele: “Eu também apaguei, assim mesmo eu acordei de madrugada. Mas logo voltei a dormir... Só não ganhei o beijo. O beijoooo...”
Ela: “Eu enviei o beijo através do pensamento, mas tu já dormias, e sonhavas com outras praias e gentes...”
Ele: “O beijinho! Ah!?! Ok, tu enviaste o beijo, mas ele deve ter parado em algum Firewall ou em alguma pasta de quarentena... Um beijo mal interpretado como spam... pobrezinho do beijo. Ou... quem sabe? Beijo raptado, “hackeado”, perdido na encruzilhada dos sonhos. Por causa deste beijo, um velho homem ficou sem o seu beijo - incompleto ser, sujeito-metade, perdido no vento. E, os lábios não se tocaram... Nem as mãos. Afastadas... Beijo roubado ou beijo perdido, oh silêncio da dor!”
Ela: “Esqueci de dizer, o beijo que eu te mandei, voltou. Guardei para te entregar pessoalmente.”
Ele: “A entrega pessoal... a demora. O tempo é doloroso. Insuportável. O peito dói, arde... A promessa se cumprirá, eu acredito, mas... sinto a falta do beijo no presente. Ah, dolorosa espera. Na frente, só trabalho, trabalho, trabalho. E o beijinho? Promessas. Demora. O beijo...”
Ela: “Fui às lágrimas. Até o coração duro e forte, da lutadora que sou, se derreteu...”
Ele: “Lágrimas sinceras, por certo. O beijo é sincero, mas não é certo. Certo mesmo é o beijo não dado.”
Ela: “Não estás a duvidar da honestidade das minhas lágrimas, estás? Nem tão pouco da certeza do beijo vindouro! Querido das minhas horas queridas, tu haverás de ter a calma dos anjos para acolher e saborear a doçura dos meus beijos recheados de extremo carinho, e com pitadas de safadeza para acelerar o compasso da dança dos corpos. A incerteza gera expectativa, e esta, uma emoção no antes, outra no durante, e mais tantas outras... Soprei beijinhos virtuais para ti neste instante...”
Ele: Espetacular!!! Uma análise pujante, crua, nua! Maravilhosa... Mas o beijo passado foi perdido... sangrou...machucou. Estancou qualquer forma de pensamento. O peito rasgado pelo beijo prometido!”
Ela: “Oh, não me faças chorar novamente, temo que meus beijos sequem de tristeza frente a tanto sofrimento.”
Ele: “Um pranto sem fim. Lábios sem beijo. Peles que não se tocam... ‘Se seus sonhos estiverem nas nuvens, não se preocupe, pois eles estão no lugar certo; agora construa os alicerces’.”
Silêeeeeencio.
Ele: “A minha amada ficou sem palavras...”
Ela: “Sim, completamente sem palavras. E o beijo, pobre beijo, ficou agonizante. Ele bem que tentou e se pôs a imaginar, chegou a ver-se enterrado no fundo de um buraco a construir seus alicerces. Depois se imaginou sobre andaimes a construir paredes firmes a enquadrá-lo às formas de viver no mundo. O beijo sentiu falta de ar e tonteou, e logo em seguida, uma sensação de inadequação e embotamento. Desesperado e longe de sua doce e mágica nuvem, tentou suicídio ao atirar-se da vida formatada. Beijo é sonhador, flor é sonhadora, ambos agoniam-se diante dos cálculos quase prefeitos da construção bem amarrada. Sim, sem palavras, sem sonhos, sem doçuras...”
Ele: “A saudade arde no peito. O clamor do beijo adormece...”
Ela: “Adormeceu. Velando o beijo. Ele morreu.”
Ele: “Morreu? Velório? Quanta morbidez!!!”