quinta-feira, 23 de julho de 2020

CARTA A UM AMOR



Xangri-lá, um dia qualquer de julho.


Há meses sobrevivo sem notícias tuas.

Ontem decidi escrever inspirada por uma poetisa que escrevia cartas. Eu não sou poeta, minhas pretensões são modestas, mas consigo. Escrevo uma carta para ti, amor que foi, e se foi; amor que sempre será, e estará em mim. Foi ontem que eu decidi escrever essa carta para ti. Será que ela te encontrará? Que tu a lerás? Não me iludo quanto a tua improvável resposta.

Sempre soube que o tempo, por mais longo, se faria nostalgicamente breve. Assim, naquela noite de agitação inconsciente, dentro deste tempo que se esvaía e frente à derrocada dos teus medos, dúvidas e ambivalências, eu sussurrei repetidas vezes ao teu ouvido: “Vai. Segue o teu caminho. Fica bem!” Lembras? Quando acordei no meio da madrugada, de sobressalto, eu soube que havias partido. Ainda pude sentir o calor do teu corpo, a sensação da tua presença, mas eu sabia, havias partido. E não chorei, eu sabia. Tu havias me escutado.

 Falaste em partir tantas vezes, mas as crises passavam, tu te acomodavas e ficavas. Eu me preocupava contigo, ficava triste pelas tuas tristezas, mas tu estavas sempre tão profundamente presente e atuante em tudo o que te circundava, que eu nunca antes pensei realmente em despedidas.

Agora estou sozinha, fugida para me encontrar contigo. O tempo por aqui tem se excedido em chuvas. Aguaceiro que transborda rios, que alaga cidades e invade casas.  Meus olhos estão encharcados, cansados, tristes. Saudosos. Por aqui tem pandemia, gafanhotos, inundações, e um vazio inominável de ti.

Engraçado, eu preferia a intimidade da família e da casa, e tu gostavas da sociabilidade dos grupos em reuniões e festas. Mas tu partiste só e me deixaste em meio ao acolhimento de grupos diversos. Quem diria. Lembro com gratidão da nossa parceria, das confidências, das nossas diferenças tão harmoniosamente administradas.

Por aqui sigo com os projetos que me apoiavas, sigo com a vida cheia de compromissos que te queixavas, sigo simplesmente, sem muito lembrar. Mas há momentos que se constroem inesperados, em que o soluço pula da garganta e o choro se derrama convulsivo. Nessas horas sinto uma imensa falta de ti, como se uma parte de mim estivesse extirpada. O ar se escassa. As lágrimas jorram e se gastam, secam, mas nada além da exaustão impede que o choro se acalme. Sinto falta, sinto tristeza, sinto que a vida continua apesar da tua ausência. Então eu prossigo com os projetos que me apoiavas, prossigo com a vida cheia de obrigações que te queixavas, e prossigo na vida, simplesmente como deve ser.

Com certa frequência pessoas falam em ti, mas eu não gosto de ouvi-las. Não quero que a impressão delas corra o risco de alterar qualquer detalhe das minhas lembranças. Quero te guardar conforme as minhas vivências, te enaltecer nas minhas fantasias, quero esquecer todos os teus defeitos. Para mim tu sempre estarás na tua melhor versão. Adoro ver teus olhos verdes e teu sorriso largo nas imagens gravadas na memória.

Sei que tu não voltarás para mim, assim como eu não irei atrás de ti. Nesse momento histórico trilhamos por rumos diferentes, mesmo assim, incomunicáveis fisicamente, percebe como eu te amo, eu te amo tanto... E te amarei até meu último suspiro, tenha certeza disso. E a partir do amor que não se esgota, amarei novos amores, construirei novas relações, sofrerei decepções, enfrentarei problemas, sorrirei de encantamento. Tudo será igual, e diferente. Tenho bagagem, eu aprendi contigo.

Amar será sempre o meu consolo às despedidas. Eu continuarei te amando, me amando, amando os que estão e os que virão. Fica bem, grande amor da minha vida, segue o teu caminho sem olhar para trás, eu estou bem... E ficarei melhor. Um pouco melhor a cada novo dia que vier.

Posso te escrever mais uma vez?