segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Flashes de Natal


                Da janela de seu apartamento a moça tinha o olhar comprido à movimentação do salão de festas do prédio. A decoração de Natal brilhava em luzinhas coloridas e havia dourados espalhados na árvore, em guirlanda e fitas. A mesa com toalha ornamentada em verde e vermelho já tinha sobre si um enorme peru, frutas cristalizadas e algumas saladas. As pessoas bonitamente vestidas iniciavam a chegar. A moça saiu da janela, arrumou-se e perfumou-se, pegou seu panettone e desceu. Caminhando a passos pequenos foi escolhendo entre os rostos presentes e próximos da porta a quem se dirigiria. Uma senhora idosa puxada pela mão de um menino saia do salão. A moça aproximou-se, cumprimentou aos dois com um beijo e perguntou: “estou sozinha na cidade, moro aqui no prédio no apartamento 303, posso passar o Natal entre vocês?”


                             ***
                Toda a criançada de primos estava a brincar no enorme pátio da casa dos avós aguardando a hora de procurar os presentes. Os onze netos de idade entre os 7 e os 15 anos conversavam, corriam, sorriam, e interagiam com os adultos que também circulavam ora dentro ora fora da casa. Numa brecha, o guri de 10 chegou perto da tia que estava só e se pôs a conversar. Normalmente tão silencioso, hoje ele tinha uma questão que exigia eloquência. Todos estavam a dizer e a argumentar sobre a falsidade do Papai Noel, e ele queria que a tia o esclarecesse, afinal: “Ele existe?” E a tia com naturalidade perguntou: “E no que tu acreditas?” Contra todas as evidências, contra todas as pressões, e contra toda a lógica o guri respondeu: “Eu acredito que o Papai Noel existe!” Ao que a tia sorrindo respondeu: “Então, meu querido, fica tranqüilo e não te preocupes mais, para ti o Papai Noel existe.”


                              ***
                O casal de estrangeiros preparou a janta de Natal e a compartilhou com um casal amigo. Tudo muito calmo e gostoso. Da cobertura do prédio vislumbravam a cidade, que no momento parecia mais apagada do que acesa. Quando já satisfeitos pela saborosa janta, todos foram à parte descoberta do apartamento admirar o céu desenhado por grandes e carregadas nuvens. Meia dúzia de fogos de artifício brilhou no céu e ressoou seus estampidos à meia-noite. A mulher estrangeira, dona da casa, olhava apreensiva para cima e para todos os lados perguntando: “Onde estão os fogos? Por que não estão soltando mais fogos? É só isso? Onde está a alegria dos céus com seus fogos e brilhos? Não, isso não está certo, estão faltando os fogos!!”


                            ***
      
                Um a um começaram a chegar à casa da avó do primo do Gu. Já passava das 2 horas do dia 25. Era uma moçada jovem, alegre, que vinha de suas festas familiares. A maioria não conhecia a avó, muitos não conheciam o Gu, outros nem os primos do Gu, mas todos sentiam-se convidados e estavam muito a vontade nessa festinha de Natal. Na entrada da casa havia um grande saco onde muitos punham dentro objetos trazidos, que, por vezes, até embalados estavam. O saco estava mais cheio do que vazio quando lá chegaram o casal de namorados e uma prima do rapaz. O encontro era de jovens, mas a casa era da avó, uma senhora com idade aproximada de 80 anos, com um lindo sorriso e um corpo magro e ágil. Embora alegre, a avó era de fala mansa e baixa. Na festa a bebida era apenas refrigerante, e comida, ninguém mais queria. Em dado momento a avó sentou a um canto da sala, colocou o saco já cheio ao lado, reuniu todos a sua volta e começou a sortear os “presentes” do “Saco da Avó”. Os três nunca haviam participado deste encontro, mas estavam encantados com a farra e a quantidade de amigos que encontraram ali. No sorteio o rapaz ganhou um adesivo, a namorada uma caixinha de cotonete, e a prima, com mais sorte, ganhou uma agenda do ano anterior e uma xícara.  
               
     "FELIZ NATAL!"          

sábado, 24 de dezembro de 2011

Ele temia



            Todo o dia era o mesmo par de sapatos, o mesmo caminhar, a mesma calçada, o mesmo destino. Mas o homem tinha para si: ele era sempre um alguém novo.
E era assim, o homem sentia que a cada amanhecer, as coisas do dia a dia o modificavam tão profundamente, que ele deixava de ser o que era para adquirir um novo formato de ser ele mesmo. Às vezes, os acontecimentos o deixavam feliz, outras nem tanto, e quantas vezes ele ficava triste ou chateado. E na integração de fatos e sentimentos, trazia consigo, ao final do dia, as marcas que não o permitiriam ser mais o mesmo homem de antes.
Olhava-se ao espelho sem discernir nitidamente o que o tornava diferente, contudo sabia-se outro. Não ousava compartilhar dessa sensação com os seus, pois não a saberia explicar e, talvez, eles não a soubessem entender. Mas o caso é que ele transformava-se incessantemente em um novo homem, mesmo seguindo a rotina de sempre, como se tudo fosse igual.
            Lentamente as pessoas a sua volta até que iam percebendo pequenas e sutis mudanças neste homem de vida tão regrada. Vez por outra o sapato era trocado por um mais atualizado, ao longo dos anos trocou de emprego e de casa, e o destino sofreu pequenas alterações. Casou-se e, ao invés de caminhar só, passou a trilhar sua vida com mais passos a lhe acompanhar. Porém, ninguém percebia o que só ele sabia ocorrer.
A passagem dos anos o fazia ficar mais velho, mas só ele sabia que com o passar do tempo ele era, e sempre havia sido e se sentido, um novo homem. Ou, melhor dizendo, ele era um ser renovado pelas ínfimas e contínuas mudanças ocorridas.
            O estigma da velhice não o preocupava, no entanto ele tinha lá seus medinhos em segredo. E o que ele mais temia era a possibilidade de se deparar, algum dia, com a falta de mudança a lhe suceder, e que, com isso, ele deixasse de se transformar. Essa era a velhice que o abateria, a cristalização de um jeito de ser na permanência de um mesmo lugar.
 Será que um dia isso lhe aconteceria, deixar de mudar? E quando será que os passos, os projetos, o coração, todos realmente cessariam? Será que a vida se congelaria diante da completude? Ou será que o enrijecimento viria para por um fim aos desgastes promovidos pelas mudanças? Será que a morte seria o fim ou, por fim, a última transformação, a mais radical? Ou a estagnação destas mudanças seria um ponto de partida para novidades a serem experimentadas em outra dimensão? E o homem pensava: se me fosse facultado tal desejo, aspiraria à continuidade da transformação sempre, sempre e sempre.
            Sim, o homem temia, e como temia não poder ser mais um vir a ser, sempre. Ah, sim, isso ele temia!

PINTEI ESSA FLORES


sábado, 17 de dezembro de 2011

UM OU DOIS? CINCO E SEIS.

 julho 2011

A rua, o bairro, a cidade, o país - todos são outros
Mas o número de nossas casas é o mesmo:
É o numero da ambivalência. A ambivalência nos une
A ambivalência nos separa, e nos mesmos cinco e seis.
Estamos distantes por quilômetros de medos, milhas de inseguranças.
Estamos juntos, grudados a antigos centímetros de dor e azar.

A carne vem aberta, ferida, escondida na coberta de pus.
Flor, anjo, ruptura, aniversário, casa. Coincidências ou infantilismo?
É a sequencia da ambivalência que nos mantém um,
Que faz sermos nós. Destino que nos fixou em cinqüenta e seis.
Nem cinqüenta e quatro nem sessenta e oito. Apenas crianças
Sofridas, esquivas.  Fugindo do amor à vida suavizar.

Ambivalência, tua e minha, a ignorar os acasos:
Carregamos rosas na mesma linha da identidade,
Amamos o mesmo leão de Deus em seres distintos.
A ambivalência nossa nega, mas sonha com os abraços
Reedita no imaginário os prazeres do amor-felicidade,
Delirante, em fogosa e rítmica dança dos nossos instintos.

Escolher o avulso aos encantos da parceria? Ou o contrário?
Pegar ou largar? Decidir: somar ou diminuir? Um ou dois?
Cinco e seis formam o número das nossas casas
Se somados resulta em onze; e um mais um, somos dois!

Mas por que, mesmo, as nossas ambivalências tentam por fim
Ao que apenas pode ser começo de uma contagem sem-fim?
Por que os números são os cinco e seis?
Ou das décadas correspondentes? Referências às nossas idades?
Coincidências. Ambivalências. Esse é o número.
Somos uns... cinco ou seis. Fantasmas!

Optei por mim. Só.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

OBRIGADA, MIL VEZES OBRIGADA



Quando meus sentimentos choram
A fala some e meu coração funga,
Quando o viver quer se perder de mim
Silenciosos amigos pegam-me a mão
Postam-se firmes ao lado e me amparam
E fortes, fazem da minha dor uma calunga
Assegurando-me apoio sem fim
Em absoluta e amorosa abnegação.

Amigo que se faz meu guardião
Que me alegra como se fosse arlequim
Que impede de me tornar um punga,
Amigo querido, por ti meus olhos brilham.


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

CONFRATERNIZAÇÃO


Nas quebradas da vida a gente vai se perdendo
Algumas vezes de si, no meu caso, dos outros
E, com empurrõezinhos, ainda se encontrando
E minimizando distâncias, antes de quilômetros.
Meu corpo trabalhando por recuperação
Dos males independentes da idade
Não obstante permitiu a confraternização
E registrar na alma o que de bom tem a saudade.

Família e Natal


Estamos às vésperas do Natal. A família é grande e faz gosto pela reunião.
E é justamente aí que começam os nossos problemas. A família se constitui de avós; filhos e seus pares; de netos e seus pares; alguns amigos dos avós, quase tios; outros amigos de infância dos filhos, quase irmãos; um ou outro primo muito querido; alguns outros que não faltam nunca a qualquer evento familiar, e assim por diante. Com exceção do avô e da avó, casados há 60 anos, todos os outros casais encontram-se no segundo matrimônio e, por isso, nossa grande e gregária família ainda mantém em seu âmago alguns ex-pares com sua nova formação familiar, filhos e agregados, que sempre são esperados e bem vindos. Considerando as circunstâncias, é gente que não acaba mais. E todos com suas demais vertentes familiares para dar conta das festividades e confraternizações nos dias 24 e 25 de dezembro.
Nosso grupo, imaginativo e flexível, pôs-se a pensar em alternativas para tornar o nosso natal um sucesso, sem expor ao risco de esvaziar nenhum dos eventos restantes pelo tumulto dos rodízios na noite de natal, onde o corre-corre para se cumprir todo o circuito das festas se torna, no mínimo, exaustivo.
Enfim, depois de muita discussão e idéias sobre nossas possibilidades, desde as mais sensatas às mais mirabolantes, a comissão para assuntos aleatórios concluiu que uma solução cativante é fazermos o “Grito de Natal”. À semelhança do “grito de carnaval”, nossa festa abre as demais, sendo antecipada apenas em dois dias. Natal com direito a tudo igual aos natais de toda a gente, até com a presença do Papai Noel para as crianças. A escolha do dia exigiu vastas considerações, pois impedimentos de toda ordem se interpuseram. Ainda assim, essa decisão foi bem mais fácil. O local, como não pode deixar de ser, e por pura tradição, será a casa dos grandes pais. Contudo, mesmo lá, eles serão apenas convidados.
Pronto! Tudo idealizado. Agora é mãos à obra e fazer o correio funcionar. Portanto, rapidamente temos que soltar aos quatro ventos a novidade: além de “natal e carnaval” rimarem, encontramos outra singela afinidade entre eles. Ambos podem ser usufruídos antecipadamente e com toda a alegria pertinente. A data oficial permanece intocável, mas com um pouquinho de boa vontade criamos um dia, extra-oficial e flutuante, para viabilizarmos e valorizarmos o espírito do festejo em família.
A nossa organização será despojada, pois a intenção é privilegiar o encontro. Porém, imprescindível será desfrutarmos das boas sensações que permeiam os laços familiares. E que bem se justifica garantirmos sua permanência com o fortalecimento desses laços no Natal, uma data bonita e rica em significados. Apesar de sabermos, também, da existência dos famosos e costumeiros ruídos e crises acidentais e reincidentes, inevitáveis ao ser humano relacional.
Nosso Natal será uma grande festa, como a nossa grande família também o é!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Solidão


Como pode ser?
Tantas foram às vezes em que estive integralmente sozinha, em casa ou em qualquer outro lugar, por dias ou muitas horas, a sentir-me completamente feliz, envolvida comigo ou com as minhas coisas. No entanto, algumas outras vezes, mesmo estando rodeada por amigos ou colegas, em ocasiões descontraídas de confraternização, acabei por me sentir abandonada e solta neste vasto mundo dos mortais.
“A solidão costuma invadir-me a alma, justo quando eu não estou só.”
Pois é, embora pareça incongruente, é bastante comum as pessoas sentirem solidão junto a seus pares, amigos, colegas ou conhecidos. Mais do que o desejo por companhia, a impressão de vazio e isolamento que a solidão revela nestas ocasiões, aponta para a necessidade de se ter alguém realmente mais interessante na interação, ou para uma imprescindível novidade capaz de promover a diferença e a transformação ao sujeito em relação.
O sentimento de solidão pode decorrer da existência de hostilidades, ressentimentos ou afetos não correspondidos nas ligações afetivas.  Naturalmente outros fatores, como dificuldade na comunicação ou inabilidade em lidar com mudanças, também podem influenciar.
Assim sendo, a solidão é sentida quando nada nem ninguém em torno mobiliza, sensibiliza, ou gera o desejo pela resposta. Porém, vale frisar, ela está sempre representada por uma sensação de mal estar, quando não de sofrimento. Sente-se o isolamento, ele é involuntário e dói: há a falta de algo ou de alguém.
A solidão, em qualquer das suas modalidades, merece olhar cauteloso por quem a experimenta, pois não sendo desejo estar-se ensimesmado, sua reincidência e tempo de permanência, além das tristezas, expõe às doenças do corpo e da emoção.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

CARTA


Em resumo, se compreendi bem,
dizes que de mim
não ganhas atenção
não consegues receber ajuda
não sabes poder contar.
Além de me pensares hipócrita.
Desculpa,
creio que as lentes dos teus óculos
cometeram a gafe de focar
o ser de outra pessoa.
E eu, meio desligada,
peguei na mão da pessoa errada.
Assim sendo, melhor esclarecido,
vou cuidar do que é meu,
pois os problemas não me faltam.
E tu certamente disporás de algum anjo
(com curvas na letra do nome de mulher
como no grande e farto corpo)
a te socorrer.
Tal bondosa criatura,
que de tudo entende e há de fazer,
melhor atenderá
a todas, e mais algumas,
das tuas necessidades de cuidado.
Ah! Satisfaz-me saber não sentires rancor
pelas falhas que possuo, que
no tempo de convivência, suportaste.
Asseguro, também,
de ti não guardar rancor algum
por teus ditos, e em como foram ditos,
pois eu nasci e vivo para entender.
Desse modo, vou saindo de mansinho
a zelar pelo que é meu: Eu!
Agradeço a companhia na caminhada,
lembrando que daqui dispenso  auxílio
e qualquer tipo de paparico.


quarta-feira, 30 de novembro de 2011

DICAS

Peça atenção, não a cobre
Mostre as falhas, não acuse os erros
Negocie as ações, flexibilize sua inconformidade
Acolha as diferenças, não agrida a forma de ser do outro
Ame do seu jeito, e deixe-se meramente ser amado.
Dialogar não é exigir!


INSTANTES


Ar soprado pelas hélices do ventilador
Calor emanado do esgotamento do prazer
Transpirações desaguadas nos lençóis
Corpos nus confundidos na perfeita fusão.
Um quarto, dois seres, um amor
Destinos que se cruzam. Seguirão?
Vidas perseguindo o pleno do instante.

E, seguindo o instante seguinte,
Vozes imperativas do silêncio opressor
Assolam em sussurros uníssonos:
- Aprumem-se! Vocês já têm uma certa idade,
Não vêem?



terça-feira, 29 de novembro de 2011

Ciúme



Antes mesmo de abrir o computador já ensaiava em pensamento o que poderia escrever. Há dias imagino abordar sobre o tema do ciúme, esta disposição afetiva pouca admirada no rol dos sentimentos humanos, e tantas vezes camufladamente atrelada à existência de outros sentimentos, também pouco nobres, como a raiva ou a inveja.
Embora faça parte das nossas experiências desde a infância, o ciúme pode tornar-se um sentimento perturbador entre as relações fraternas, de pares e amores ao longo da vida, expondo inseguranças, imaturidade e, por vezes, desajustes.  Ainda assim, ele não é de todo ruim, com atenção percebemos que tudo é uma questão de medida.
Em nosso cotidiano enaltecemos o amor, o carinho, a gratidão, a alegria, a ternura - todos os sentimentos positivos, bonitos e admiráveis. Mas não somos anjos, nossa existência humana nos faz sofrer com os sentimentos baixos e mesquinhos no outro lado da balança, na constante busca pelo equilíbrio nessa eterna instabilidade de nosso ser.
O ciúme guarda em suas entranhas um sentimento de posse da pessoa que ama sobre a amada. E o temor da perda do ente amado para outro, qualquer que seja este outro, inclusive se real ou imaginário, desestabiliza gerando insegurança e promovendo reações. Quanto mais baixa for a auto-estima de quem ama, provavelmente maior será a resposta do ciúme e o ataque emitido por ele. E o mal estar pode crescer e crescer e crescer diante da espiral de comportamentos criada pela novela do ciúme. O enredo é bem conhecido: sofrimento mútuo aos envolvidos. Entre outros, na direção do enciumado ao alvo do ciúme surgem a dor, a angústia e a raiva nas formas de cobrança; e, possivelmente, na via contrária aparecem o ressentimento, a tristeza e o ódio como retribuição às acusações e agressões embutidas nas trocas afetivas. A comunicação de intenção amorosa obtém uma precária harmonia na instância dominador-dominado. E ao lado do amor sobrevive o conflito.
Quem ama quer preservar. E para isso deve cuidar. A relação de amor pede um bom vínculo, proximidade emocional, e muitas e contínuas interações. No movimento da vida dão-se os encontros e os desencontros, os entendimentos e os desentendimentos, estabelecem-se os acordos e os desacordos. E na turbulência dos acontecimentos temos que aprender a dançar ao som de músicas e ritmos diversos. O controle sobre o outro pode asfixiar, o excesso de segurança desinteressar pela falta de investimento. Descobrir a medida é difícil e demanda esforços, amor próprio, e uma boa dose de coragem e persistência diante das frustrações.
Ao ciúme administrado, sem a desestruturação das partes, pode-se reconhecer um sentimento de amor, um desejo pelo zelo da relação, e, principalmente, a necessidade da eleição de ações que valorizem, também, a pessoa que ama. Além disso, pode-se transmitir o recado à pessoa amada: a relação vale à pena e a pessoa que ama está atenta a ela.
O ciúme em si não é um problema, mas sim em como ele aparece, pois é na sua intensidade que se percebe a qualidade do amor  e o nível de desajuste ou desequilíbrio dos envolvidos nas tramas do coração. Lamentavelmente ainda não há um aparelho ou tabela para precisarmos esta medida, mas tenho certeza que conhecemos, nem que de passagem, o tal do bom senso. Se há sofrimento por causa do ciúme, que busquemos ajuda.


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A moda

            

O comportamento é objeto do estudo da Psicologia, e a moda é um de seus numerosos caminhos. Assim sendo, a moda utiliza o corpo e seus movimentos como forma de expressão e comunicação. Comportamento e moda vinculam-se historicamente explicitando sentimentos, motivações,  e evolução. Entre os recursos que a moda oferece está a possibilidade de nos inserir em um grupo ou em um determinado contexto, por identificação ou circunstância.
A moda teve início na Renascença com a urbanização e o enriquecimento dos burgueses franceses. Com o despertar da vontade de imitar a nobreza, e com poder aquisitivo para isso, a burguesia passou a reproduzir seus trajes. Para os nobres se diferenciarem dos burgueses, passaram a criar novas formas e padrões estéticos que, por sua vez, eram novamente copiados, e assim por diante. A partir daí foi dado o impulso à engrenagem de transformação e criação da moda e a um comportamento social estratificado.
            Muitas foram as influências que determinaram os caminhos percorridos pela moda. Ela seguiu de perto a ciência, a industrialização e a cultura. Respondeu ao surgimento de necessidades; dos estilos de vida; adaptou-se às condições e diferenciações climáticas; criou tendências e identidades sociais; exprimiu idéias e sentimentos; identificou grupos e subgrupos, permitiu fantasias erótico-sexuais em padrões aceitos pela sociedade. A moda atual não segue códigos rígidos, dando vazão à liberdade e à criatividade, personificando quem a usa. A inspiração das criações tem sido buscada, em muito, no passado e no street style. E, a releitura de estilos é a novidade. A moda feminina abriga de tudo, embora se sugiram tendências.
Entretanto, com tanta evolução, os estilos nem sempre privilegiam o prazer do conforto. Percebemos isso quando, por exemplo, desenvolvemos um olhar crítico aos calçados femininos. Belos, com finos saltos altos, elegantes bicos a estreitarem-se, pretos ou vermelhos e, por vezes, confeccionados em material brilhoso. Puro fetiche! Sapatos provocadores que desenham e expõe pernas torneadas e sensuais. Que arqueiam a coluna ressaltando o peito e arrebitando ‘uma das preferências nacionais’. E em detrimento do conforto, as mulheres equilibram-se por calçadas esburacadas com os pés comprimidos, a torcerem tornozelos e desenvolverem joanetes. Mas, despertando olhares masculinos de desejo, deliciados com a estimulação de suas fantasias. Naturalmente, poucos homens e mulheres percebem, conscientemente, a comunicação erótica estabelecida. Mas ela existe. E lá vai o objeto de desejo, ignorando seus prejuízos, a desfilar repleta de prazer pela sedução provocante de seu caminhar.
          Estendendo nosso olhar mais atento, encontraremos semelhança a outras peças do vestir que espremem, apertam, sufocam ou expõe ao risco da inanição e das intempéries do tempo  o pobre e sofrido corpo. Mas, por que temos que abrir mão do saudável, do confortável, do prático para nos sentirmos modernos, bonitos, adequados ou atraentes? O prazer desta sensualidade, a satisfação quase sádico-masoquista que se estabelece na comunicação subliminar entre os sexos através de algumas modas, cobra alto preço no futuro. Será que as pessoas têm consciência e sabem o quanto vão pagar à frente?

sábado, 12 de novembro de 2011

VAI E VEM


Quando pisares sobre o teu chão com os pés descalços
Quando sugares a seiva do teu solo por tuas raízes a te nutrir
Quando te deliciares com a melodiosa língua do teu povo
Quando receberes o abraço amigo dos teus conterrâneos
Quando sorrires como criança junto aos da tua infância
Quando chorares de saudade ao tempo passado distante
Quando sentires a emoção na garganta ao revisitar tua casa


Lembra que aqui construíste e deixaste uma casa
Lembra da vida feita em outro chão, em meio a outros abraços
Lembra da sonoridade desta fala e de seus sotaques
Lembra dos sorrisos trocados, das lágrimas compartilhadas
Lembra das gentes e amores cativados nesta terra, tua nova pátria 
Lembra que tua história se escreve além do horizonte e das divisas
Lembra que aqui tens a mim, esperando pelo teu retorno.  



Aqui me tens!


domingo, 6 de novembro de 2011

CAMINHO


Caminho sem pés, sem passos,
Voo sem asas, sem pássaros.
Coração arrastado à poesia e afetos raros.
Barulhos. Amores afogados. Entulhos.

Meu corpo anseia o toque da presença perdida
No lusco-fusco do dia, entre brumas e ruas.
Solidão comprimida entre muros. Ferida,
Bóio a deriva de indiferenças tuas.

Costuro instantes, retalhos e futuro:
Nada de ti, nada do tempo, nem despedida.
Nado no nada!  Líquido impuro,
Vida enfarinhada, sensibilidade mordida.

Cresce o frio! O cinza. Vazio:
Sem pés, sem assas, sem e nem.
Resigno-me a este abandono sombrio:
Estou só, na busca de um caminho.

Meia Idade


Estar-se na meia idade talvez significasse que se está no meio da vida. Mas para saber-se no meio da vida deveríamos saber qual é o tamanho da vida inteira. E quem é que sabe ou quem é que define a idade de referência da vida humana?
Muitos são os estudiosos na área da medicina e biologia que procuram conhecer a elasticidade da vida nos tempos atuais e futuros, baseando-se em dados da evolução da espécie humana. Também são incontáveis os estudiosos, das áreas humanas e sociais, que buscam identificar os comportamentos individuais e coletivos de sociedades e culturas na história do homem, com vistas a fixar as fases da vida em seu prolongamento.
É possível que o cruzamento de estudos nas várias áreas do conhecimento nos leve a ratificar definições já estabelecidas e retificar outras quanto às fases e à elasticidade da nossa existência.  Provavelmente precisaremos assimilar e nos adaptar a novos e sucessivos fenômenos, como, por exemplo, o que já vem se apresentando na atualidade: a velhice maior ou, dizendo de outra forma, a quarta idade.
O assunto é extenso e pede estudos científicos. Porém, minha questão hoje é pessoal e circunstancial: quero pensar sobre a meia-idade como a fase da vida na qual me encontro neste exato momento, contextualizada no meu aqui e agora, independentemente dos critérios que a determinaram.
Sou uma pessoa de meia idade vertendo sonhos; infindáveis desejos concebidos desde os remotos tempos até o passado recente, pipocando e pedindo espaço. Meus filhos estão criados, o tempo se faz dobrado, e a capacidade de amar se expande além da mais alta aspiração. Palpita no peito afeto para amar novas vidas, descobrir novas paixões, estabelecer novos laços de carinho e admiração, e manter amores conquistados com cuidado.
Sou uma “envelhecente” que aspiro à vida além dos 90, e com bastante saúde para usufruir da longevidade ambicionada. Projeto meu futuro com zelo e dedicação à vida que tenho nas mãos. O presente está recheado de realizações, e de frustrações também, construídas ao longo da minha história. E pretendo usar cada centímetro desta bagagem em benefício dos próximos empreendimentos.  Há muito descobri que as mais preciosas lições decorrem dos meus próprios acertos e erros. Atualmente faço esforços para perdoar-me aos erros cometidos - que normalmente não são graves - refazendo caminhos, objetivos ou relacionamentos.
Os anos voam e neles percebo meu corpo mudando em processo ininterrupto. Apesar de crer-me em forma, o desenho da silhueta está mais arredondado, a pele ganhou manchas e vincos e textura variada, os pelos e cabelos estão esbranquiçados. Meus olhos pedem permanentemente o enfeite das lentes, e há quem diga que minhas orelhas estão crescendo, embora eu não note nenhum aumento da audição. Estou modificada. Porém diante do espelho continuo me encontrando e me encantando. Sinto-me bonita! Estranho, capto minha beleza em detalhes antes ignorados. Sim, atento para uma juventude existente em mim, um tanto transformada, confesso, mas com robustez para encarar os desafios da séria vida e da vida brincada. Aposto nos neurônios, músculos, ossos e órgãos, todos trabalhando com eficiência e se intercomunicando com êxito aos esforços de obter um comportamento ativo e saudável. Mesmo assim, não negligencio as visitas aos especialistas. Quem procura acha, e os médicos têm encontrado soluções aos problemas manifestos, descartando as questões mais graves, para minha alegria. Atualmente brindo não sofrer mais as turbulências do humor decorrente do ciclo menstrual.
Sou uma mulher de meia idade predominantemente feliz, ocasionalmente invadida por tristezas que me derretem em lágrimas. Habitualmente sou animada, eventualmente experimento uma nova e desconhecida crise. E, por vezes, minhas seguranças perdem-se por falta de autoconfiança, ainda! Reconheço-me produtiva, meditativa, preguiçosa, coerente, criativa, estressada, e tudo o mais que sempre fez parte de mim. Igual e distinto. A experiência obtida com a vida tem promovido a diferença.
A menina virou mulher. A pessoa adulta está envelhecendo. E eu, como futura idosa, ainda desejo um dia contar sobre as experiências que estou por viver. O passado me enriqueceu, o presente me envaidece, e o futuro me desafia. O sucesso me fez brilhar. Os percalços me ajustaram, me fortaleceram, e também deixaram cicatrizes que revelam quão duras foram as lutas empreendidas. A vida evoluiu em mim, e eu evoluí nela.
E, estou apenas na meia idade. Ou no meio da vida? Vida como tempo contado ou como fato? O que direi quando estiver completando o meu percurso de vida?


terça-feira, 1 de novembro de 2011

Cotidiano - Sob outro prisma


 

Não entendo o que há de errado, mas algo deve estar errado!

O dia começa cedo para mim: acordo às 6 horas, com exceção dos sábados e domingos, quando é comum eu levantar por umas 8 horas. A agenda é cheinha mesmo aos finais de semana. Faço muitas e cada vez mais coisas durante o dia todo, e chego exausta à noite porque não parei de fazer. No entanto, ao deitar a cabeça no travesseiro, com o intuito de ler um pouco e pegar no sono, tenho a impressão que estou em dívida – parece que não produzi o quanto eu precisava, que não realizei o almejado, que não contribui com o que deveria.

Não entendo o que há de errado!

Será que estou exigindo além de mim, ou será que eu deveria estar me ocupando com outros fazeres? Será que deixei tanto por fazer e agora estou tentando recuperar os atrasados, ou será que quero abraçar o mundo com medo de perdê-lo? Será que estou me projetando às minhas idealizações de mim mesma e, por isso, me cobrando? Ou será que essa insatisfação é pura ansiedade? Ou desespero? Sei lá, eu não estou entendendo.

Sinto frustração quando me deparo com o ritmo do meu envelhecimento e a fragilidade das minhas realizações, assim como com o contingente de obrigações que penso ser meu. Fico preocupada (ou será que é angustiada?) ao perceber que o tempo voa tão rápido quanto os meus pensamentos, quase não deixando vestígios. E que as minhas ações não conseguem concorrer com parcerias tão ágeis assim; que a maioria dos meus projetos e sonhos poderá ser apenas registrada em uma conversa ou em alguma folha em branco, mas provavelmente não se cumprirá como realização.

Sinto medo de partir dessa vida e não ter desfrutado da felicidade, não ter amado o potencial de amor que trago em mim, não ter cuidado bem do meu mundo, não ter aprendido a aproveitar a vida como poderia. Sinto medo de partir e não ter deixado nada de mim (além dos filhos?), de não ter feito a diferença com a minha existência (eu não sei bem o que quero dizer com isso, mas é isso mesmo que quero dizer). Sinto medo de concluir não ter valido a pena viver a vida que vivi.

Gostaria ainda, e tanto, de aprender mais sobre história, geografia, inglês, espanhol, decoração, psicologia, artes, costura, fotografia, culinária, educação, literatura, e. Gostaria de realizar mais a partir das minhas aptidões para a escrita, a pintura, a psicologia e o esporte. Gostaria de ser mais efetiva como mãe, como filha, como amiga, como amor. Gostaria de alcançar mais estabilidade emocional, segurança econômica, organização em geral, e coragem para os enfrentamentos. Gostaria de distribuir mais minhas palavras inspiradas, carregadas de poesia e afeto, e os sorrisos de alegria e acolhimento que trago comigo; gostaria de me desprender dos roteiros formais, brincar e compartilhar a construção de momentos leves com quem eu cruzo caminho. Gostaria de fazer da minha vida uma espiral abrindo-se infinitamente às novas conquistas.

Gostaria, ah, e como gostaria, de viver o amor sem limites, sem medo, sem jogo, sem prazo, sem distância. Gostaria de viver o nosso amor como o mais bonito, o mais intenso, o mais maduro, o mais certo, o mais verdadeiro. Gostaria de viver este amor como se fosse o último.

Não entendo o que há de errado, mas se algo está errado, tenho convicção que nem me importaria tanto se estivesse bem mais ocupada ao teu lado, simplesmente te amando mais.

 

CILADA


Companheiro amigo de todas as noites,
Oh, sono por onde andas?
Por que me abandonaste?
Foste dormir em outras paragens?
Desejo-te tanto, volta para mim
Vem pegar-me no colo
Receber meu corpo quente e solto.
Vem brincar com meus distraídos sonhos
Enlevar-me aos paradisíacos cantos da noite dormida.
Sono querido liberta-me desta ingrata insônia
A malvada prendeu-me nas teias de sua armadilha.
Insônia que me maltrata a cada minuto, a todo segundo
Mantém-me sob suas garras nestas obscuras horas.
Oh, sono!  Eu não gosto dela
E te gosto tanto. Vem! Volta para mim!

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

DOM


Quisera ter o dom, que alguns dizem possuir,
De adivinhar sobre mentiras e verdades
A partir de fragmentos de escuta.



terça-feira, 25 de outubro de 2011

HISTÓRIA



A história da história

Conta como foi que aconteceu

Em terras distantes

Um governante bem intencionado

Edificando sua plataforma de ação

Usou palavras de difícil entendimento

E, com um pouquinho de falsidade,

A todos muito prometeu.

Mentirinha sobre mentirinha

O governante cresceu

Fatia em fatia, até a migalhinha

Todo o pão do seu povo comeu.

Mas, a verdade é que ao povo

A grande verdade lhes ofereceu:

“Pobres dessa nação,

Dediquei-lhes a alma, mas...

Devo admitir, fracassei!

A vocês ainda resta à dignidade!

E a mim?? Só o que roubei!”


sábado, 22 de outubro de 2011

Paixão, amor, ódio.


         Casos de amor!
Quantas histórias nós conhecemos que iniciaram com uma paixão arrebatadora e terminaram ressequidas pelo ódio.  Dramas que mantiveram a intensidade do vínculo que une, transformando a paixão-escolha em ódio-aprisionamento, matando sentimentos e seres até o último suspiro de seus protagonistas.
Romances e versões particularizadas, episódios de vida que talvez possam ser escritas, em síntese, mais ou menos assim:
Contra ou a favor do destino, um dia duas pessoas desejam-se e buscam-se para o relacionamento amoroso. Querem-se na totalidade de seus seres e apaixonam-se perdidamente. Acreditam-se atendidas em suas idealizações, e vêem-se amando e sendo amadas. Sentem-se fundidas no sexo e na vida em complementaridade absoluta. Tudo perfeito conforme o roteiro sonhado. Porém, dormindo na rotina da vida cotidiana, os pesadelos aparecem e aterrorizam. E na seqüência interminável dos dias, os amados-amadores-amantes tornam-se gradativamente expostos pela convivência, deixando-se descortinar. E, assim, revelam todo o tipo de limitação próprio dos seres humanos.
As frustrações, decorrentes da supremacia da realidade sobre os sonhos, prevalecem. As pessoas têm que se deparar com os seus vazios e com o não preenchimento deles pela presença do ser amado; agora um alguém reconhecidamente falho e pequeno. Neste momento nasce e vigora o ressentimento: a pessoa amada traiu, enganou. Fez-se melhor aos olhos de quem o amava. Fez-lhe acreditar na magia e na plenitude do amor. Um amor-salvação, capaz de suplantar e curar todas as dores sofridas durante uma vida inteira até ali.
Decepções. Reação. Entre as respostas de defesa contra a dor dilacerante da perda de um grande e poderoso sonho de amor, o destaque é o comportamento de projeção de culpas. Iniciam-se os ataques. A conseqüência da sucessão de agressões ao relacionamento é a destruição da frágil estrutura do amor. Os amantes julgando-se agredidos e mal tratados dentro do relacionamento germinam o ódio, unilateral ou bilateralmente. E este sentimento, tão intenso quanto parecia ser o amor, é construído proporcionalmente ao tamanho das idealizações. E na impossibilidade de sobreviver à iminência de um abandono, resultar-se totalmente esvaziado pelo outro, há amantes que se acorrentam obsessivamente aos presumíveis algozes por um ódio profundo, numa condenação à infelicidade eterna a ambos. Se um não pode ser feliz, os dois não o serão! Para essa desilusão não há perdão.
 Uma interpretação entre outras possíveis.
Pensadores, cientistas, estudiosos, terapeutas, metidos e interessados também buscam entender as histórias de amor que transitam da paixão em direção ao ódio. Nobres saberes e saberes populares já discutiram,  levantaram hipóteses, teses, e criaram teorias sobre os relacionamentos amorosos, e continuam a fazê-lo em busca de esclarecimentos e melhores perspectivas a futuros investidores do amor.  Não há consenso nas explicações, mas há concordância sobre o lamentável desfecho que ninguém gostaria para si.
Discorrer sobre temas como amor, ódio, separação, morte, vínculos afetivos, fidelidade, relacionamento amoroso é sempre desafiante. Desafio que assumo para meus novos artigos. Aguardem!

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

SIM, AMEI MUITO!


Amei...
Sim, amei muito!
Amei um alguém que não era, nem para si mesmo.
Acreditei no amor que pulsava em mim:
sonhei com a materialidade do amor e na capacidade de construção,
desejei que amando nos transformássemos e nos fortalecêssemos.
Errei?
Amei...
Sim, amei muito!
Meu imenso amor brotava, escorria, nos envolvia.
Meu amor transbordava de mim esfuziante na direção de um alguém.
Acreditei no encantamento do amor porque eu amava.
E fui feliz o tempo todo em que eu amei,
mesmo amando um alguém que não era,
um alguém que não se sabia senão apenas sendo amado.
Errei?
Amei...
Sim, amei muito!
Amei um alguém com a abundância do amor como sangue,
correndo e percorrendo todos os cantos do meu corpo e do meu ser.
Não sei como, nem o porquê elegi um alguém para ser o meu amor.
Mas quem não era, continuou não sendo, e pouco fez do amor que não conseguiu fazê-lo ser.
Um alguém queria mais, ser muito mais amado. E logo saiu em busca de outros amores. 
Amei sem ser vista, sem ser respeitada, sem ser amada.
Errei?
Amei...
Sim, amei muito!
Amei com o amor que não se esgota em mim, que se alimenta das alegrias e dores e experiências e intensidade do meu viver.
Mas o amor me confundiu quando, um dia, um alguém se foi!   
Gastei todas as minhas lágrimas.
Sofri não ter mais um alguém para amar; e pensei ter perdido o meu amor.
Porém, amando a verdade descobri o amor comigo - aceso, intenso e radiante - voltado para mim, cuidando de mim, me transformando, me construindo e me fortalecendo.
Descobri o meu verdadeiro amor, renascido e revigorado no meu jeito de ser.
Errei?
Amei...
E amo. Sim, amo muito!
E tem quem me pergunte se amo Alguém.
Amo alguém e outros quantos. Amo umbigos - com ou sem o seu alguém. Amo o ser inteiro e as suas partes - isoladas ou no conjunto. Amo quem deseja e se deixa ser amado.
E sigo amando com o amor que me é vida...
Sim, amo muito.
Amando aprendi mais sobre mim, sobre o meu amor e as minhas escolhas.
Se eu tenho Alguém?
Eu amo e amo muito muito.
Quem?
E ainda tem quem me pergunte!