terça-feira, 25 de junho de 2013

Privilégio para poucos


Acordei cedo e sai de casa passada das 6 horas e 30 minutos, como faço todas as segundas, terças e quartas-feiras. Estamos no inverno: o ar é frio e a escuridão da noite se estende manhã adentro. Neste horário as ruas estão desertas, os apartamentos silenciosos, e os sonhos de muitos estão sendo interrompidos pelos sinais de despertar. E os galos, ausentes das metrópoles, cantam apenas na lembrança de infância da gente mais velha.

Meu carro deslizava rápido por entre avenidas. No topo do céu eu via a lua, faceira, cheia, luminosa, distribuindo luz branca e prateada às esparsas nuvens a rodeá-la. As nuvens clareadas pela lua ficaram com seus contornos realçados, rendados, como em dia de festa. A imagem era poética e a sensação mágica. Meu dia começou afortunado, senti meu coração sorrir.

Rapidinha, cheguei ao clube. Vestida com maiô e roupão por cima, chinelo e meia de dedinhos, como de hábito passei no vestiário para deixar minhas sacolas. Lá encontrei mais duas amigas corajosas, quase velhas como eu, também se preparando para nadar. Na borda da piscina outros colegas prontos para o salto. Em minutos, nos jogamos todos na água climatizada da piscina externa, no meio da escuridão fria da manhã, mas iluminados por holofotes e pela majestosa lua.

Brinquei com a lua enquanto nadava de uma borda a outra da piscina. Ela me espiava e eu a ela. Quase todo tempo respirei mais do que às vezes necessárias só para ver a lua enfeitando o céu. Porém, eventualmente, disfarçava e fazia de conta que nem a olhava. A lua, toda prosa, não se continha e me provocava piscando miúdo a sua luz, escorregando-se suave e vagarosamente para a linha do horizonte, oculta por detrás dos edifícios. Com o pretexto de arrumar os óculos, parei de nadar por vários segundos, simplesmente, para me deliciar com a beleza da lua, repleta de gratidão.

O tempo foi se adiantando; o treino se gastando; e o sol, preguiçoso, ensaiando chegar, apenas clareou o dia. Só muito mais tarde é que ele se mostrou. E a lua, toda linda – alegre, redonda, clara – discretamente misturada à luminosidade do céu límpido, a semelhança do azul da piscina, de fininho, foi desaparecendo no frio.

Saí cedo e fui nadar. Hoje tive o privilégio de curtir o amanhecer em companhia da lua, cheia de si mesma.

     



sábado, 15 de junho de 2013

Ausência



Estive ausente dos meus textos. Estive ausente das piscinas. Estou ausente de grupos de amigos. Mas não se preocupem, apesar das minhas ausências aqui e ali, nunca estive tão presente à minha própria vida. Ando ajeitando umas que outras coisas do passado subjetivo e do presente concreto, inventando renovações no ambiente e nos planos futuros, mudando os prismas de minhas análises e revigorando o meu ser em mim mesma.

Quando ousaria pensar, anos atrás, que a beira dos sessenta anos estaria tão lépida para as mudanças, tão preenchida de compromissos e fazeres, tão satisfeita com o agito do ir e vir, e com a falta de tempo para todos os meus desejos? Não tenho saída, terei de virar os cem para alcançar o mínimo de tudo quanto almejo. Tenho investido nisso, realmente feito negociações com a vida nesta direção.

Estive ausente dos meus textos. Senti saudades de escrever e de penetrar nas ideias adormecidas no íntimo dos pensamentos; de buscar no sentido das palavras, com seus sinônimos, as opções que melhor traduzam meus sentimentos e opiniões. Estive ausente da minha escrita. A cabeça andava ocupada com outros fazeres e o corpo não dava conta de parar diante do computador e digitar minhas inspirações – nem sei se as tive. Porém, não resisto ao fascínio da escrita; neste momento estou me ausentando de outras prioridades, estou fugida de outros compromissos que urgem e me chamam - e me consomem - para acalentar o coração da insuportável falta que sinto de escrever, este meu maravilhoso brincar. E aqui estou eu, posta a escrever.

Amo de paixão escrever. Por vezes me pergunto se tenho talento para a escrita, mas logo esqueço as preocupações com a competência e me atiro ao prazer desta prática. Um dia eu fui tímida, e a palavra oral saía com custo, assim como facilmente a palavra escrita era censurada pelo temor do erro e, talvez, da crítica. Por muitos anos me vali do sorriso para a inserção aos grupos, e do recurso das tintas para me comunicar com o mundo.

      A maturidade me permitiu guardar a timidez numa caixinha de veludo, no fundo da minha história, e usar a amplitude das minhas possibilidades de inteiração com mais propriedade. Desta forma, descobri a palavra solta partindo musicalmente da minha boca; descobri a palavra viajante, impressa letra a letra pela dança das minhas mãos e dedos - em movimentos circulares quando desenhada cursivamente, ou saltitantes quando digitadas nas teclas do computador. Um dia eu fui tímida, agora eventualmente tenho um jeitinho tímido, mas estou bem à vontade para ser e dizer e brincar e evoluir. E o ato de escrever me alimenta à plenitude.

Como são bons os instantes jogados na tela em branco (do computador) através da liberação de letras e ideias e história. Senti saudades de escrever, mas tive de me ausentar. Talvez mais um pouco de ausência ainda seja necessário. Mas logo, logo estarei acomodando as urgências e retomando à minha doce rotina dos textos e dos grupos de amigos. Às piscinas eu já retornei, estou treinando como nunca: que venham os desafios das competições e da saúde. E da vida também.

“Ausências transitórias. Mais uma vez estou vivendo mudanças que renovam a vida. Estou feliz com a vida nova!"