A velhice está na minha frente. Ela é como o pôr do sol, com rajadas de cores vivas a se transmutarem, rápidas, na direção da escuridão de um céu pontilhado por vagalumes. Acolho a velhice viva, morna, e doce como o sol a se esgueirar e se perder no horizonte.
Vejo a velhice como elo que entrelaça o dia luminoso à noite de pouca luz e de muitos mistérios. Ela é dia que vive a vibração da intensidade e da aceleração; ela é noite que ganha novos compassos ao seduzir com sombras e sussurros ao pé do ouvido. Sinto-me profundamente fascinada pela velhice, ela me comove pelo seu brilho, ora discreto ora surreal.
Eu vejo, eu sinto: a velhice tem poesia, tem encantamento, tem convite. A velhice é sedução. Por isso, desejo vivê-la na extensão máxima do meu abraço, desfrutá-la até que ela se consuma todinha em minhas mãos. Faltam-me quatro anos para eu me inserir oficialmente à velhice. E eu e minha velhice já estamos confabulando e fazendo planos, já possuímos acordos e grandes perspectivas para a realização de deliciosos sonhos.
Atualmente tenho feito passeios retrospectivos aos anos vividos, tenho analisado com respeito e consideração os acertos e os erros cometidos. Diferentemente de várias pessoas, se eu pudesse refazer a vida passada, em muitas oportunidades trilharia outros caminhos, faria diferentes escolhas às que fiz, aproveitaria o meu tempo sendo bem mais feliz – eu abandonaria no percurso pesos desnecessários e pessoas sanguessugas. Porém, não nos é facultado o poder de voltar atrás e reviver a vida gasta. Mesmo assim, podemos reorganizar os arquivos da história de vida, tanto na memória quanto no coração, e, neste processo, aprender e desfrutar da paz mais abrangente. Assim, construímos uma nova vida na perspectiva de um futuro melhor ajustado aos nossos anseios, que só a experiência e a maturidade nos proporcionam. Acertando a vida à frente, com consciência, possivelmente acomodaremos frustrações e dores antigas que insistem em invadir nosso presente.
Qualquer singela avaliação do passado me permite ver que foram vastos os tropeços, os equívocos e os arrependimentos, mas o tempo vivido também me expôs ao exercício da sagacidade em lograr obstáculos e ajeitar arestas diante das provocações da vida. Aprendi duras lições engolindo lágrimas ou me esvaindo nelas; ganhei fascinantes horizontes na perseverança de objetivos e ações; tenho vencido minhas lutas me reciclando permanentemente – fazendo do velho eu, um novo eu mais corajoso e confiante.
Hoje olho a vida com outros olhos. Olhos que enxergam mais, mesmo vendo menos. É conquista do tempo vivido, enxergar os detalhes com cautela e deles construir habilmente o conjunto de sua obra. Hoje experimento a vida fluir leve e rápida como embalada pelo vento; percebo meu discernimento se construir claro e ágil ante as situações embaçadas e embaraçosas da vida; sinto ser larga e estendida a gratificação aos pequenos momentos do meu fazer. Hoje consigo varrer fácil a tristeza que quer atrapalhar os meus passos; e sem remorsos, viro as costas às insignificâncias que querem me atormentar. Hoje sei estar entre pessoas e situações que me fazem bem. E sonho com os pés mais firmes ao chão, entregue às nuanças e sutilezas da criatividade inteligente.
A velhice me chama me exclama. Eu a desejo e vou ao seu encontro. Não sou ingênua, sei das dificuldades a que estarei sujeita, pois incessantemente elas foram explicitadas e enaltecidas. Sei que terei dissabores, limitações, abandonos, doenças e problemas, igualmente como as ocorrências a que estive vulnerável em qualquer outro momento da vida. A diferença, agora, é que diante da velhice estou mais segura de mim, sei o que quero e posso com serenidade. E, modéstia à parte, hoje sou muito melhor e mais completa do que sempre fui – sim, estou pronta a viver inteiramente a nova vida velha que me destina.
A velhice é convite para nos deleitarmos com o dia se enroscando à noite, numa explosão silenciosa de cores, intenções e futuros. Estou plenamente seduzida pelo último ato.