terça-feira, 19 de março de 2013

O grande círculo de amizades


Entramos no restaurante. Enquanto fui sentar à mesa para guardar lugar, Elenara dirigiu-se à mesa do bufê. Ao olhar na direção dos alimentos, vi minha amiga sendo envolvida por braços fortes e grandes em um longo apertado e caloroso abraço. Elenara colada ao corpanzil de uma enorme mulher ficou completamente sumida. Quando liberta da sufocante manifestação de afeto, meio amassada, com os óculos desalinhados e ar de surpresa expressos nos olhos arregalados, lá estava Elenara estaqueada diante da outra. Pensei comigo: “Veja só, sempre Elenara e o seu grande círculo de amizades!” De longe eu percebia a animação da grandalhona a gesticular e falar e a soltar largas risadas. No entanto, Elenara mal balbuciava palavra, sem sorriso nem qualquer descontração. Cena insólita para quem a conhece.

A imagem permanecia a mesma no transcorrer de minutos, até que se desenhou o momento da despedida. Mais uma laçada e um grande abraço suavizado por dois beijinhos, um em cada face. Elenara, ao invés de se dirigir à comida, voltou-se na direção da nossa mesa. A cara estava murcha e os braços caídos, soltos ao lado do corpo. Sentou-se. Discretamente começou a sorrir. Logo a rir mais animadamente, até cair na mais desatada gargalhada. Quis me contar a história, mas não conseguia iniciá-la, faltava-lhe o ar. Enfim, recomposta e em voz sussurrante me contou.

- Tu viste? Aquela mulher que conversava comigo? Ela me rendeu em um só golpe de luta e se atirou a falar, quase me levando a nocaute. Comentou sobre o tempo que não nos víamos, da saudade daqueles bons tempos e da sua imensa satisfação pelo nosso reencontro.  Falou-me da filha e da sua evolução nos esportes. Perguntou sobre a minha, se continuava na ginástica, e.

- Mas a tua filha faz ou fez ginástica?

- Eu disse à mulher que a minha filha estava na natação, e ela adorou saber da novidade. Aí perguntou apressadamente se não era a minha neta que fazia ginástica. Ainda por cima, ela me chamou de velha! Nem pude responder, pois emendando um assunto em outro logo comentou que eu fiquei super bem com esses óculos, e que eu estou ótima. Eu ia falar e ela rapidamente contou que anda sobrecarregada com tanto trabalho. Aí, mais que ligeira, perguntei o que ela estava fazendo, numa tentativa desesperada de identificá-la, pois nada me fazia lembrar aquela mulher. E o comentário foi que continua fazendo a mesma coisa de sempre. Não adiantou nada, fiquei na mesma!

- E, afinal, descobriu quem era a amiga?

- Eu tentei, te juro que fiz imenso esforço para achar algo que nos ligasse, mas nada, absolutamente não tenho nenhum mínimo registro sobre quem é aquela criatura. A conclusão é que eu nunca a vi e em lugar algum, tão pouco, sei quem é a filha dela. Não tenho ideia no que trabalha ou porque veio a este restaurante, menos ainda com quem possa ter me confundido. Eu definitivamente não a conheço. Só que não consegui dizer isso a ela, a mulher estava tão alegre com o nosso encontro, inclusive declarou efusivo apreço por mim, que eu não poderia decepcioná-la, de jeito algum.

- Ganhaste amiga nova, hem? Isso não é para quem quer, é só para quem pode. Oh, Elenara, sempre tão popular!

- É... Mas te confesso, fiquei com medo da mulher me esmagar e quebrar todos os meus ossinhos com aqueles abraços de ursa. É sério, ia pedir socorro, mas ela fugiu em tempo.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Nossos jovens filhos passando dos limites


Desde ontem sinto enorme tristeza apertando no peito. Acompanhei lamentável episódio ocorrido no colégio que estudei e amo tanto, no colégio que meus filhos mais velhos estudaram, e onde o meu filho caçula ainda estuda.

 Ontem jovens alunos do terceiro ano do ensino médio, incontidos desde o início da semana, agrediram e humilharam jovens colegas de outras séries e idades, lesionando física e moralmente uma menina do primeiro ano do ensino médio que, lamentavelmente no instante errado, saía da escola. Podia ter sido com o meu filho, ou com o seu, mas foi com a filha de outros pais, e que hoje correm aos médicos e hospitais para minimizar o prejuízo físico provocado gratuitamente. E a dor moral? Talvez a menina precise de acompanhamento psicoterápico no futuro por causa disso.

E tudo, por quê? Humilhar e machucar o outro realmente são comportamentos divertidos? Para quem? Para os pais que correm a salvar a integridade física e emocional da filha?  Ou para a jovem que sente a dor pela agressão incompreendida? 

Como absorver? Como reagir? Estou triste e desconsolada. Não quero ficar na alienação do silêncio, embora eu ainda não saiba bem o que fazer.  Por isso, o que me ocorre é pedir aos pais que têm jovens transbordando energia e rebeldia, que os olhem de perto, que os ouçam nos pedidos por limite, que reafirmem seus papéis de autoridade para que eles não estejam na relação dos agressores. E se não houver agressor, também não haverá agredido.

Desde ontem sinto enorme tristeza pela dor de uma menina e de seus pais.

domingo, 3 de março de 2013

Conversando com os próprios botões



Sei que preciso parar, mas se abrir mão do que faço e gosto, aí é que eu morro. Sim, eu sei, já estou na idade de morrer, no entanto estou bem de saúde, lúcido, me sinto capaz e produtivo para quase todas as coisas. E as pessoas em geral estão vivendo mais. A ciência tem me beneficiado, talvez algum ou outro autocuidado também esteja sendo efetivo. Tenho convicção, a grande decisão foi deixar de fumar lá atrás, o médico avisou, hoje estaria morto se não o tivesse feito. Quem sabe se eu mudar um pouco não me seja necessário parar nem partir. Mas, um pouco só, seria o suficiente? Não sei se ainda consigo fazer movimentos de mudança, parece que isso significa fraquejar, que estou dando o braço a torcer. É tão difícil renunciar às evidências, diante do outro, para mim mesmo.

A maioria dos amigos já morreu há anos, no entanto, tive grandes companheiros até recentemente que só deixaram este mundo depois de virarem os 90, e os desfrutarem. Bem que às vezes sinto cansaço e nem faria tanta questão de estar vivo. Ao mesmo tempo, estou fortemente apegado à vida, sentimento inexplicável que se sobrepõe a todas as ponderações. Atualmente, mesmo restando um pingado de amigos, a família é grande e preenche minhas circunstâncias, preocupações e sentimentos. Por outro lado, como morrer e abandonar a mulher, minha tão linda e adorável mulher? O que seria dela sem meus carinhos e proteção? Muitas vezes me pego pensando, e será que eu viveria, ou melhor, será que eu sobreviveria à perda da querida parceira de vida inteira, meu grande amor? Ela tornou-se órgão vital do meu corpo, e ser - da minha vida como um todo. Creio (será presunção?) que eu também seja imprescindível à vida dela. Não ouso perguntar e conferir, verdade ou mentira, é assim que eu sinto.

É preciso arrumar tudo antes de partir. Tenho vários problemas a resolver, infinitas recomendações a prescrever; tenho uma enorme lista de sugestões úteis a indicar aos filhos e netos visando facilitar suas trajetórias. Ou estes serão simples argumentos, apenas artifícios que procuro para me enraizar, necessidades criadas para adiar minha despedida? A questão é que me sinto útil e indispensável. Tenho consciência, não chegou a minha vez. Por isso não quero parar. Eu preciso mudar. Lamentavelmente estou submetido a limitações. Mas eu as ignoro, não quero admitir, não vou me demitir. Mesmo assim, lá no fundo do meu silêncio, escondido de todos, inclusive de mim, eu as percebo e as admito. Como ceder sem me entregar? Qual é o limite do bom senso? Será que desejo pautar-me pelo bom senso neste mundo incoerente, desequilibrado, enlouquecido - e surpreendentemente maravilhoso, apesar de tudo? E isso que eu nunca fui tão apaixonado pela vida, não. Ou será que fui?

Quero e preciso viajar antes do fim - a saúde do corpo permite, a do espírito pede. Não devo abrir mão. Já planejei o roteiro, organizei a equipe, idealizei a aventura. Serei o mais velho do grupo de velhos, não tem problema, eu me garanto, tenho experiência e disposição. Aprecio e sou competente na liderança, e eles confiam em mim, sempre foi assim. Anteriormente todas às vezes deram certo. Por que  nesta seria diferente? Tudo bem, eu reconheço, o carro anda com vários arranhões e amassadinhos, mas são somente coisas pequenas. Concordo, preciso ser mais cauteloso, terei todo o cuidado do mundo e viajaremos bem. Dirigirei pela última vez, e na próxima delegarei a direção a outro motorista. Mas agora preciso estar no volante, no comando, será minha última expedição, eu prometo.  Por que querem me coibir? Vou parar de dirigir. Naturalmente continuarei viajando. É cedo. Posso esperar e morrer logo adiante,  não estou com pressa nem muito cansado. Olhem para mim, continuo saudável, lúcido, capaz, produtivo e,   preciso dizer mais? Sim, devo mudar para não parar, mas como é difícil - ceder!