Distante de tudo, em cima da colina e
encostando ao horizonte, ficava um sobrado que ninguém sabia, um dia, ter sido
habitado ou ter tido um dono. Não havia gente que ousasse aproximação, pois a
moradia dos ventos, como era chamada, intrigava com aparência de casa novinha
em folha ao longo das centenas de anos. O jardim em torno da casa floria de
primavera a primavera, trocando as flores e as cores conforme a estação. Ao lado
direito da casa resplandecia uma vigorosa árvore de forte tronco e contorcidos
galhos, carregadinhos de folhas verdes, amarelas e azuis, que a escuridão da noite
fazia sumir escondendo-a na sua própria imaginação.
O sobrado que tinha apenas uma porta, mas era
repleto de janelas - ora abertas esvoaçando as leves, finas e transparentes
cortinas, ora cerradas como se a dormir em sonhos misteriosos - não dava ideias
de solidão. Mas a tal morada, ao que se sabia, vivia só naquele canto do mundo
a despertar fantasias e temores ao povo que dela tomava conhecimento.
Aos desavisados muitos avisos eram feitos:
“evitem o sobrado e o deixem quieto em seu destino; ele não causa prejuízo ou
infortúnio a quem só o admire de longe, no entanto, diz-se a voz miúda, para
quem invade sua paz e seus segredos há um grande quarto cheio de nada a corroer
ossos e pensamentos até o completo fim do intrometido”.
Um dia, porém, o carro com reboque da família
viajante fundiu naquelas quebradas sem aviso prévio, meio perto e meio longe do
sobrado, do qual não tinham notícia alguma. Perdidos nas sinuosas estradas de
terra entre as colinas, afastados de tudo e todos e do próprio dia que findava,
decidiram ficar por aquelas pastagens. Pai e mãe exaustos da viagem, ainda estressados
pelo incidente, acolheram de bom grado a votação das crianças - adiariam os
trabalhos de recuperação do carro para o dia seguinte. Dispunham de tempo para
apreciar o lugar sem pressa, pois ainda sobravam muitas férias.
Mal amanheceu o novo dia e os cinco irmãos,
feito caturritas, já se preparavam para a aventura de reconhecimento da área.
Com mil recomendações dos pais e supridos de bússola, fita métrica, binóculo,
papel e caneta para anotações, além de muita água e lanche, partiram à
expedição, enquanto a mãe ficava no acampamento e o pai saia em busca de
socorro. Os três meninos corriam na frente, enquanto as meninas seguiam em
vastas conversas e considerações. Os meninos descobriam novidades e as meninas
as anotavam. Todos os passos e direções foram devidamente registrados, como num
mapa, com o objetivo de facilitar o caminho de volta.
Os ponteiros do relógio, girados em mais de
duas voltas, justificavam os primeiros cansaços. A caçula do grupo, com o rosto
brilhando de suor e as bochechas em pimentão, repentinamente parou. Resmungou
em meia voz. E, num grande suspiro, pegou o binóculo para bisbilhotar os
horizontes em todas as direções. No fundinho do cenário, a sudoeste de onde
estavam, parecia existir um montinho de coloridos entre a vastidão de verdes. O
binóculo passou de mão em mão até a autoridade, o irmão mais velho, decidir rumarem
para lá.
Renovados os objetivos, saíram correndo em
alegres gritarias. Com a distância diminuída, os detalhes do lugar tornavam-se cada
vez mais nítidos. Havia um sobrado de altos e baixos, e parecia ter sótão e
porão. Reluzia pintado em amarelo dourado, todo enfeitado por jardim em cores
sorridentes, e avizinhado por uma frondosa árvore patriótica. Tudo muito lindo
e estranho. Chegaram perto em pleno silêncio, conforme ordens do líder. Tudo
tão quieto quanto eles. Procuraram a campainha e não a encontraram. Puseram os
ouvidos na porta, caminharam em torno do sobrado e apenas ouviam a música do
vento. No andar de baixo tudo se encontrava fechado e quieto, mas no andar de
cima havia os movimentos das cortinas. E... Será que era um guincho? Um dos
meninos ouviu o som agudo, parecia um pequeno grito de macaco. “Psiu, acho que
também estou ouvindo”, disse a menina maior.
Pelo sim e pelo não, os irmãos fizeram um
círculo bem fechadinho, abraçando-se pelos ombros e encostando as cabeças ao
centro, para esboçar o plano. Os mais velhos subiriam na árvore e os menores
esperariam em baixo. Uma menina e dois meninos escalaram a árvore agilmente,
enquanto os outros, aflitos, aguardavam as descobertas vindouras.
Instaladas entre os galhos da árvore, a
altura das janelas, boquiabertas as crianças viram dois macaquinhos sobre uma
grande cama de alvos lençóis, pulando e olhando para o teto. De cima, por um
alçapão, saltaram outros dois macaquinhos alegres e barulhentos. Depois mais
uns três, e assim, aos guinchados, saltaram e saltaram macaquinhos do sótão. Os
ruídos aumentaram com a estripulia da capela de macacos.
Com tamanha algazarra, a menina do alto teve
de gritar as suas observações para tranquilizar os irmãos menores no
chão. “Os macaquinhos estão descendo do sótão.” Logo em seguida informou: “um
bando de macaquinhos desceu do sótão.” Com os olhos cintilantes e o sorriso escancarado
derramando encantamento, concluiu: “os macaquinhos do sótão estão soltos, e eles são
os meus macaquinhos do sótão!”