segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Flashes de Natal


                Da janela de seu apartamento a moça tinha o olhar comprido à movimentação do salão de festas do prédio. A decoração de Natal brilhava em luzinhas coloridas e havia dourados espalhados na árvore, em guirlanda e fitas. A mesa com toalha ornamentada em verde e vermelho já tinha sobre si um enorme peru, frutas cristalizadas e algumas saladas. As pessoas bonitamente vestidas iniciavam a chegar. A moça saiu da janela, arrumou-se e perfumou-se, pegou seu panettone e desceu. Caminhando a passos pequenos foi escolhendo entre os rostos presentes e próximos da porta a quem se dirigiria. Uma senhora idosa puxada pela mão de um menino saia do salão. A moça aproximou-se, cumprimentou aos dois com um beijo e perguntou: “estou sozinha na cidade, moro aqui no prédio no apartamento 303, posso passar o Natal entre vocês?”


                             ***
                Toda a criançada de primos estava a brincar no enorme pátio da casa dos avós aguardando a hora de procurar os presentes. Os onze netos de idade entre os 7 e os 15 anos conversavam, corriam, sorriam, e interagiam com os adultos que também circulavam ora dentro ora fora da casa. Numa brecha, o guri de 10 chegou perto da tia que estava só e se pôs a conversar. Normalmente tão silencioso, hoje ele tinha uma questão que exigia eloquência. Todos estavam a dizer e a argumentar sobre a falsidade do Papai Noel, e ele queria que a tia o esclarecesse, afinal: “Ele existe?” E a tia com naturalidade perguntou: “E no que tu acreditas?” Contra todas as evidências, contra todas as pressões, e contra toda a lógica o guri respondeu: “Eu acredito que o Papai Noel existe!” Ao que a tia sorrindo respondeu: “Então, meu querido, fica tranqüilo e não te preocupes mais, para ti o Papai Noel existe.”


                              ***
                O casal de estrangeiros preparou a janta de Natal e a compartilhou com um casal amigo. Tudo muito calmo e gostoso. Da cobertura do prédio vislumbravam a cidade, que no momento parecia mais apagada do que acesa. Quando já satisfeitos pela saborosa janta, todos foram à parte descoberta do apartamento admirar o céu desenhado por grandes e carregadas nuvens. Meia dúzia de fogos de artifício brilhou no céu e ressoou seus estampidos à meia-noite. A mulher estrangeira, dona da casa, olhava apreensiva para cima e para todos os lados perguntando: “Onde estão os fogos? Por que não estão soltando mais fogos? É só isso? Onde está a alegria dos céus com seus fogos e brilhos? Não, isso não está certo, estão faltando os fogos!!”


                            ***
      
                Um a um começaram a chegar à casa da avó do primo do Gu. Já passava das 2 horas do dia 25. Era uma moçada jovem, alegre, que vinha de suas festas familiares. A maioria não conhecia a avó, muitos não conheciam o Gu, outros nem os primos do Gu, mas todos sentiam-se convidados e estavam muito a vontade nessa festinha de Natal. Na entrada da casa havia um grande saco onde muitos punham dentro objetos trazidos, que, por vezes, até embalados estavam. O saco estava mais cheio do que vazio quando lá chegaram o casal de namorados e uma prima do rapaz. O encontro era de jovens, mas a casa era da avó, uma senhora com idade aproximada de 80 anos, com um lindo sorriso e um corpo magro e ágil. Embora alegre, a avó era de fala mansa e baixa. Na festa a bebida era apenas refrigerante, e comida, ninguém mais queria. Em dado momento a avó sentou a um canto da sala, colocou o saco já cheio ao lado, reuniu todos a sua volta e começou a sortear os “presentes” do “Saco da Avó”. Os três nunca haviam participado deste encontro, mas estavam encantados com a farra e a quantidade de amigos que encontraram ali. No sorteio o rapaz ganhou um adesivo, a namorada uma caixinha de cotonete, e a prima, com mais sorte, ganhou uma agenda do ano anterior e uma xícara.  
               
     "FELIZ NATAL!"          

sábado, 24 de dezembro de 2011

Ele temia



            Todo o dia era o mesmo par de sapatos, o mesmo caminhar, a mesma calçada, o mesmo destino. Mas o homem tinha para si: ele era sempre um alguém novo.
E era assim, o homem sentia que a cada amanhecer, as coisas do dia a dia o modificavam tão profundamente, que ele deixava de ser o que era para adquirir um novo formato de ser ele mesmo. Às vezes, os acontecimentos o deixavam feliz, outras nem tanto, e quantas vezes ele ficava triste ou chateado. E na integração de fatos e sentimentos, trazia consigo, ao final do dia, as marcas que não o permitiriam ser mais o mesmo homem de antes.
Olhava-se ao espelho sem discernir nitidamente o que o tornava diferente, contudo sabia-se outro. Não ousava compartilhar dessa sensação com os seus, pois não a saberia explicar e, talvez, eles não a soubessem entender. Mas o caso é que ele transformava-se incessantemente em um novo homem, mesmo seguindo a rotina de sempre, como se tudo fosse igual.
            Lentamente as pessoas a sua volta até que iam percebendo pequenas e sutis mudanças neste homem de vida tão regrada. Vez por outra o sapato era trocado por um mais atualizado, ao longo dos anos trocou de emprego e de casa, e o destino sofreu pequenas alterações. Casou-se e, ao invés de caminhar só, passou a trilhar sua vida com mais passos a lhe acompanhar. Porém, ninguém percebia o que só ele sabia ocorrer.
A passagem dos anos o fazia ficar mais velho, mas só ele sabia que com o passar do tempo ele era, e sempre havia sido e se sentido, um novo homem. Ou, melhor dizendo, ele era um ser renovado pelas ínfimas e contínuas mudanças ocorridas.
            O estigma da velhice não o preocupava, no entanto ele tinha lá seus medinhos em segredo. E o que ele mais temia era a possibilidade de se deparar, algum dia, com a falta de mudança a lhe suceder, e que, com isso, ele deixasse de se transformar. Essa era a velhice que o abateria, a cristalização de um jeito de ser na permanência de um mesmo lugar.
 Será que um dia isso lhe aconteceria, deixar de mudar? E quando será que os passos, os projetos, o coração, todos realmente cessariam? Será que a vida se congelaria diante da completude? Ou será que o enrijecimento viria para por um fim aos desgastes promovidos pelas mudanças? Será que a morte seria o fim ou, por fim, a última transformação, a mais radical? Ou a estagnação destas mudanças seria um ponto de partida para novidades a serem experimentadas em outra dimensão? E o homem pensava: se me fosse facultado tal desejo, aspiraria à continuidade da transformação sempre, sempre e sempre.
            Sim, o homem temia, e como temia não poder ser mais um vir a ser, sempre. Ah, sim, isso ele temia!

PINTEI ESSA FLORES


sábado, 17 de dezembro de 2011

UM OU DOIS? CINCO E SEIS.

 julho 2011

A rua, o bairro, a cidade, o país - todos são outros
Mas o número de nossas casas é o mesmo:
É o numero da ambivalência. A ambivalência nos une
A ambivalência nos separa, e nos mesmos cinco e seis.
Estamos distantes por quilômetros de medos, milhas de inseguranças.
Estamos juntos, grudados a antigos centímetros de dor e azar.

A carne vem aberta, ferida, escondida na coberta de pus.
Flor, anjo, ruptura, aniversário, casa. Coincidências ou infantilismo?
É a sequencia da ambivalência que nos mantém um,
Que faz sermos nós. Destino que nos fixou em cinqüenta e seis.
Nem cinqüenta e quatro nem sessenta e oito. Apenas crianças
Sofridas, esquivas.  Fugindo do amor à vida suavizar.

Ambivalência, tua e minha, a ignorar os acasos:
Carregamos rosas na mesma linha da identidade,
Amamos o mesmo leão de Deus em seres distintos.
A ambivalência nossa nega, mas sonha com os abraços
Reedita no imaginário os prazeres do amor-felicidade,
Delirante, em fogosa e rítmica dança dos nossos instintos.

Escolher o avulso aos encantos da parceria? Ou o contrário?
Pegar ou largar? Decidir: somar ou diminuir? Um ou dois?
Cinco e seis formam o número das nossas casas
Se somados resulta em onze; e um mais um, somos dois!

Mas por que, mesmo, as nossas ambivalências tentam por fim
Ao que apenas pode ser começo de uma contagem sem-fim?
Por que os números são os cinco e seis?
Ou das décadas correspondentes? Referências às nossas idades?
Coincidências. Ambivalências. Esse é o número.
Somos uns... cinco ou seis. Fantasmas!

Optei por mim. Só.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

OBRIGADA, MIL VEZES OBRIGADA



Quando meus sentimentos choram
A fala some e meu coração funga,
Quando o viver quer se perder de mim
Silenciosos amigos pegam-me a mão
Postam-se firmes ao lado e me amparam
E fortes, fazem da minha dor uma calunga
Assegurando-me apoio sem fim
Em absoluta e amorosa abnegação.

Amigo que se faz meu guardião
Que me alegra como se fosse arlequim
Que impede de me tornar um punga,
Amigo querido, por ti meus olhos brilham.


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

CONFRATERNIZAÇÃO


Nas quebradas da vida a gente vai se perdendo
Algumas vezes de si, no meu caso, dos outros
E, com empurrõezinhos, ainda se encontrando
E minimizando distâncias, antes de quilômetros.
Meu corpo trabalhando por recuperação
Dos males independentes da idade
Não obstante permitiu a confraternização
E registrar na alma o que de bom tem a saudade.

Família e Natal


Estamos às vésperas do Natal. A família é grande e faz gosto pela reunião.
E é justamente aí que começam os nossos problemas. A família se constitui de avós; filhos e seus pares; de netos e seus pares; alguns amigos dos avós, quase tios; outros amigos de infância dos filhos, quase irmãos; um ou outro primo muito querido; alguns outros que não faltam nunca a qualquer evento familiar, e assim por diante. Com exceção do avô e da avó, casados há 60 anos, todos os outros casais encontram-se no segundo matrimônio e, por isso, nossa grande e gregária família ainda mantém em seu âmago alguns ex-pares com sua nova formação familiar, filhos e agregados, que sempre são esperados e bem vindos. Considerando as circunstâncias, é gente que não acaba mais. E todos com suas demais vertentes familiares para dar conta das festividades e confraternizações nos dias 24 e 25 de dezembro.
Nosso grupo, imaginativo e flexível, pôs-se a pensar em alternativas para tornar o nosso natal um sucesso, sem expor ao risco de esvaziar nenhum dos eventos restantes pelo tumulto dos rodízios na noite de natal, onde o corre-corre para se cumprir todo o circuito das festas se torna, no mínimo, exaustivo.
Enfim, depois de muita discussão e idéias sobre nossas possibilidades, desde as mais sensatas às mais mirabolantes, a comissão para assuntos aleatórios concluiu que uma solução cativante é fazermos o “Grito de Natal”. À semelhança do “grito de carnaval”, nossa festa abre as demais, sendo antecipada apenas em dois dias. Natal com direito a tudo igual aos natais de toda a gente, até com a presença do Papai Noel para as crianças. A escolha do dia exigiu vastas considerações, pois impedimentos de toda ordem se interpuseram. Ainda assim, essa decisão foi bem mais fácil. O local, como não pode deixar de ser, e por pura tradição, será a casa dos grandes pais. Contudo, mesmo lá, eles serão apenas convidados.
Pronto! Tudo idealizado. Agora é mãos à obra e fazer o correio funcionar. Portanto, rapidamente temos que soltar aos quatro ventos a novidade: além de “natal e carnaval” rimarem, encontramos outra singela afinidade entre eles. Ambos podem ser usufruídos antecipadamente e com toda a alegria pertinente. A data oficial permanece intocável, mas com um pouquinho de boa vontade criamos um dia, extra-oficial e flutuante, para viabilizarmos e valorizarmos o espírito do festejo em família.
A nossa organização será despojada, pois a intenção é privilegiar o encontro. Porém, imprescindível será desfrutarmos das boas sensações que permeiam os laços familiares. E que bem se justifica garantirmos sua permanência com o fortalecimento desses laços no Natal, uma data bonita e rica em significados. Apesar de sabermos, também, da existência dos famosos e costumeiros ruídos e crises acidentais e reincidentes, inevitáveis ao ser humano relacional.
Nosso Natal será uma grande festa, como a nossa grande família também o é!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Solidão


Como pode ser?
Tantas foram às vezes em que estive integralmente sozinha, em casa ou em qualquer outro lugar, por dias ou muitas horas, a sentir-me completamente feliz, envolvida comigo ou com as minhas coisas. No entanto, algumas outras vezes, mesmo estando rodeada por amigos ou colegas, em ocasiões descontraídas de confraternização, acabei por me sentir abandonada e solta neste vasto mundo dos mortais.
“A solidão costuma invadir-me a alma, justo quando eu não estou só.”
Pois é, embora pareça incongruente, é bastante comum as pessoas sentirem solidão junto a seus pares, amigos, colegas ou conhecidos. Mais do que o desejo por companhia, a impressão de vazio e isolamento que a solidão revela nestas ocasiões, aponta para a necessidade de se ter alguém realmente mais interessante na interação, ou para uma imprescindível novidade capaz de promover a diferença e a transformação ao sujeito em relação.
O sentimento de solidão pode decorrer da existência de hostilidades, ressentimentos ou afetos não correspondidos nas ligações afetivas.  Naturalmente outros fatores, como dificuldade na comunicação ou inabilidade em lidar com mudanças, também podem influenciar.
Assim sendo, a solidão é sentida quando nada nem ninguém em torno mobiliza, sensibiliza, ou gera o desejo pela resposta. Porém, vale frisar, ela está sempre representada por uma sensação de mal estar, quando não de sofrimento. Sente-se o isolamento, ele é involuntário e dói: há a falta de algo ou de alguém.
A solidão, em qualquer das suas modalidades, merece olhar cauteloso por quem a experimenta, pois não sendo desejo estar-se ensimesmado, sua reincidência e tempo de permanência, além das tristezas, expõe às doenças do corpo e da emoção.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

CARTA


Em resumo, se compreendi bem,
dizes que de mim
não ganhas atenção
não consegues receber ajuda
não sabes poder contar.
Além de me pensares hipócrita.
Desculpa,
creio que as lentes dos teus óculos
cometeram a gafe de focar
o ser de outra pessoa.
E eu, meio desligada,
peguei na mão da pessoa errada.
Assim sendo, melhor esclarecido,
vou cuidar do que é meu,
pois os problemas não me faltam.
E tu certamente disporás de algum anjo
(com curvas na letra do nome de mulher
como no grande e farto corpo)
a te socorrer.
Tal bondosa criatura,
que de tudo entende e há de fazer,
melhor atenderá
a todas, e mais algumas,
das tuas necessidades de cuidado.
Ah! Satisfaz-me saber não sentires rancor
pelas falhas que possuo, que
no tempo de convivência, suportaste.
Asseguro, também,
de ti não guardar rancor algum
por teus ditos, e em como foram ditos,
pois eu nasci e vivo para entender.
Desse modo, vou saindo de mansinho
a zelar pelo que é meu: Eu!
Agradeço a companhia na caminhada,
lembrando que daqui dispenso  auxílio
e qualquer tipo de paparico.