segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Que dizer?




Estavam apenas ele e a mãe em casa. Por qualquer motivo os irmãos mais velhos haviam saído. Num raro momento, recostada no sofá e com os pés sobre a banqueta, a mãe assistia a televisão. De mansinho, mas sóbrio, ele sentou no mesmo sofá deixando um lugar entre eles. Esperou alguns minutos, como se a estudar o exato instante para dar início, e no seu costumeiro jeito tímido, em tom de voz calmo e baixo, falou:

- Mãe, nós precisamos conversar. Agora que eu estou fazendo quinze anos eu quero...

“Oh, céus!” Antes que ele continuasse falando, uma profusão de idéias, imagens, e lembranças, atropelando-se umas às outras, invadiram o pensamento da mãe que se ausentou, por segundos, do anunciado diálogo.

         “Será que ele quer falar sobre sexo? Não me preparei para esse momento, estou desatualizada. Deveria ter conversado com os guris mais velhos, pedido suporte ou passado essa responsabilidade para eles. Não, não, eu sou a mãe, sou eu que devo orientá-lo e preveni-lo. Mas, além do uso do preservativo, o que mais devo dizer? Tenho certeza que ele já sabe sobre as doenças sexualmente transmissíveis, o risco de gravidez; ele lê muito e já teve orientação sexual no colégio. Então, o que será que me cabe? Dizer: tudo bem meu filho, já estas na idade, vai nessa. Ou: te cuida meu filho, escolhe bem com quem vais te relacionar, seja cauteloso e desfruta da gostosa experiência de intimidade. Ai, meu santo: talvez eu deva enfatizar que aceito qualquer que seja sua opção sexual, e que jamais deixarei de amá-lo se suas escolhas diferirem das sonhadas por mim.”

         A mãe tentou aterrissar, porém quando deu por si, a sequencia de pensamentos povoavam a cabeça. “E, se ele disser que já transou, que quer trazer a namorada para eu conhecer? Será? Eu nunca percebi nada!  Quem sabe eu estava tão desligada que não vi o andar dos acontecimentos? Vivo sempre tão ocupada com o trabalho e preocupada com as contas, a casa, e sei lá mais o quê; é provável que tenha negligenciado, que não tenha acompanhado às mudanças do meu filhinho.”

- Mãe, eu já tenho praticamente quinze anos, até com barba na cara estou. Por isso, quero te fazer um pedido: pára de te referir a mim como filhinho, de chamar meus amigos de amiguinhos, de pedir para eu tomar meu remedinho, arrumar minha caminha ou dobrar minhas roupinhas. Eu sei que sempre serei teu caçula, mas até o pequeno fica grande. Mãe, eu estou crescendo: um dia vou estudar fora, sei que posso sofrer por alguma namorada, como aconteceu com os manos, mas hei de casar e ter filhos. Precisas deixar de me ver como criancinha e ficar tranqüila porque, mesmo eu me tornando adulto, sempre serás a minha querida e amada mãe.

         Se ela não estivesse sentada, teria caído sentada no sofá. Seus olhos encheram-se de lágrimas, o sorriso se fez límpido e discreto, e o abraço aconteceu mais espontâneo do que nunca.

- Meu filho lindo! Tu tens razão, eu vou cuidar. Tem um lado meu que já te vê homem, mas tem outro que te vê sempre um menino.

- Eu sei, eu sei!

         E, com olhar maroto, prosseguiu:

- E sabendo disso, para te ajudar quando usares algum “inho” fora do lugar, por puro esquecimento, vou estalar os dedos para te avisar, assim, tudo bem?

Carinhoso e meigo, deu um beijo no rosto da mãe e tomou rumo.


domingo, 29 de janeiro de 2012

ASSIM




Sem medo

Junta a tua à minha loucura

Entra no meu mundo, te larga

Relaxa na minha, na tua

Amoralidade

Aqui dentro

Tudo borbulha, é festa:

Cores, luzes, sons

Insanidade

Sem medo

Conhece meu paraíso

Sente o calor, acolhedor

Do meu inferno

Embarca na emoção

Da banalidade

Vem sem medo

Aqui estou do avesso

Do avesso eu sou

Direito não sei (mais) viver

Nem fazer,

De direito só sei

É o meu direito de ser

Assim.





sábado, 28 de janeiro de 2012

ROSA NA JANELA



Sinto minha alma de artista sacudir

Desacomodando-me do âmago do peito

À extremidade dos remotos pensamentos;

Transformando o clamor dos afetos em imagem

Que capturada pelo olhar, reinterpreta o sentir

Vibrando ao clicar da rosa em seu amarelo perfeito.




Da janela expande-se a flor em suaves movimentos

Como expressão sublime da vida em passagem.














segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Tome cuidado, preste atenção


Qual o cuidado que o cuidador, cuidadoso, deve ter com o auto cuidado, para ser um bom cuidador?
Sim, a frase ficou complicada. Talvez devesse perguntar de forma direta e sucinta, sem rodeios, mas minha intenção com voltinhas foi, mesmo, chamar a atenção!
Em diversas ocasiões nos vimos no papel de cuidadores de seres fragilizados, sem nos prepararmos ou apercebermos disso, sem questionarmos se queríamos ou se teríamos condições para aplicar atenção especial para alguém, com a devida responsabilidade pela sua sobrevivência ou pelo seu bem estar.

Quantas vezes, já desde a infância, tivemos que cuidar de um irmão, de um animalzinho de estimação, ou de um amigo que se machucou? E, na vida adulta, quando foi que demos início às nossas funções de cuidadores? Num dia, ao acordar, já estávamos profundamente envolvidos a cuidar de filhos, de alunos ou pacientes, dos idosos pais, e... Quantos mais?
Como dar conta de cuidar do outro em tantas ocasiões, se não temos nem idéia de como devemos cuidar de nós mesmos? Mas, será que necessitamos de cuidados especiais para sabermos cuidar de quem precisa dos nossos cuidados?
Naturalmente, quem bem se cuida possui uma melhor condição de bem cuidar do outro. Isso é complexo. É conquista a ser alcançada em um conjunto de áreas distintas. Penso que entre tantas facetas, cuidar-se significa priorizar-se!  Não no sentido egoísta de só pensar em si mesmo, mas de pensar primeiramente em si.
Mais ou menos assim: se eu estiver bem de saúde, se eu estiver bem emocionalmente, se eu estiver feliz comigo mesmo, estarei mais leve para ver o outro e suas necessidades com mais clareza. E, de certa forma, estarei suprido e poderei dispor do que tenho para compartilhar com a pessoa que, a ser cuidada, carece de alguma ou de muita coisa.
No entanto, mesmo estando bem, quem não tem problema? Como sentir-se apto quando as demandas nos afligem por todos os lados? Como ser cuidador, se tantas vezes o que mais queríamos era ser acolhido e acariciado entre os braços de um bem querer e, como criança, ser protegido de tudo e de todos?
Não chegaremos nunca ao nível de excelência da perfeição; e não precisamos atingir o mais alto grau na escala de valores para sermos bons e efetivos no que fazemos. Todos precisamos ser cuidados e, simultaneamente, podemos desempenhar o papel de cuidadores.

Os cuidados recebidos são bastante importantes, mas o auto cuidado é fundamental. E este deve ser desenvolvido sempre e cada vez mais, mesmo que não tenhamos compromissos maiores em cuidar de alguém, afetiva ou profissionalmente.
Cuidar-se é um exercício de vida, e pode seguir algum roteiro. Podemos começar por avaliar o sono, a alimentação, o intelectual, o físico, o social, o emocional... Pode ser conferido, inclusive, em checklist pelo menos uma vez por semana: "Estou tendo um sono reparador? Alimento-me com cardápio variado, em horas e freqüência saudáveis? Leio como lazer, estudo ou trabalho exigindo o esforço do pensar? Caminho ou faço alguma atividade física, pelo menos três vezes por semana? Tenho amigos e algum mínimo de vida social? Gosto da vida e tenho motivos para sorrir, apesar da falta de dinheiro ou da crise de casamento? Faço meus exames médicos e odontológicos de rotina?"
Portanto, bem viver é também cuidar do outro, seja ele pessoa, animal ou natureza, a partir das conquistas feitas através do auto cuidado.


sábado, 21 de janeiro de 2012

FUGI!


Surpresa ante a correnteza das palavras e ao discurso em chamas
A cascata de queixas surgiu na calmaria de um lago doidivanas.
Os ouvidos incrédulos sustentaram os olhos vidrados e apáticos
Enquanto o cheiro era de outra história estéril, de abraços inóspitos.
E àquele gosto ardido, tão conhecido, dos ácidos beijos
Infiltrou-se a exaustão por me terem depósito dos lixos alheios.
Sem o que pensar nem o que fazer, armei o salto, ainda terçã
Mergulhei no silêncio dos pensamentos e nadei ao amanhã.
Fugi querendo o mar, amando o mar, querendo amar.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Fotografia e Relação Afetiva

 

Na adolescência aprendi noções sobre fotografia, hoje despertadas por frequentar um curso para a qualificação do uso da máquina digital. Assim sendo, ativos e fresquinhos os  antigos e novos conhecimentos, foi inevitável tê-los vivos à lembrança. Na calmaria da manhã de um domingo de verão, na abandonada cidade de Porto Alegre, enquanto eu saboreava o café da manhã na minha própria companhia, meus pensamentos voadores tentaram buscar alguma conexão entre a fotografia e as relações afetivas. Brinquei neste jogo de encontrar semelhanças.

A fotografia necessita de luz, sua matéria prima, e luz é energia. Da mesma forma a relação afetiva precisa de afeto, e este também pode ser considerado como energia.

Para realizarmos a grafia da luz utilizamos uma máquina, caixinha, que tenha dentro de si um receptor sensível - que nas máquinas analógicas chama-se de filme e nas digitais de sensor -, e uma abertura, na qual temos as lentes, para capturar e melhor organizar a passagem de luz até o receptor. Pela abertura controlamos a entrada da quantidade de luz que chega à sensibilidade da máquina para o seu adequado registro. E o fazemos administrando o tempo de exposição da luz pela abertura da máquina e o tamanho desta abertura, ambos pensados em conjunto e com cautela na busca da sintonia certa para a obtenção da boa fotografia.

Para dispormos de uma relação afetiva - por preferência determino que seja uma relação amorosa - precisamos ter a pessoa e sua capacidade de sensibilização: a máquina e o sensor. Temos que ter certa disponibilidade ou desejo para a relação, que seria a abertura da máquina. O obturador, que é o tempo de exposição, seria o tempo mantido de aproximação junto à outra pessoa; e o diafragma, que é o tamanho da abertura, talvez fosse o tamanho da acolhida ou da entrega ao parceiro da relação. O tempo de exposição ao outro, ajustado ao tamanho da entrega e acolhida, se administrados com zelo nos permitiria obter uma boa harmonia de relação.

Naturalmente não precisamos refletir muito para saber que as relações amorosas são bem mais complexas do que a minha imaginação brincou até aqui, mesmo assim, simplificando ou forçando a barra, confesso, não achei de todo surreal.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

CALAMIDADE PÚBLICA




Sob o sol escaldante do verão

A umidade do ar sumiu

Enxugaram-se os açudes e rios

Secaram os pensamentos,

Expressos apenas por fios,

E os sentimentos murcharam.

Corpos humanos desidratados

Por seus infinitos poros choraram

À morte de lavouras e animais.

E sob o sufocante calor do verão

Sofremos a sede que engrossa a saliva

Queima a garganta e encarquilha

A pele, as pessoas e as relações.