Xangri-lá, um dia qualquer de julho.
Há meses sobrevivo sem notícias tuas.
Ontem decidi escrever inspirada por
uma poetisa que escrevia cartas. Eu não sou poeta, minhas pretensões são
modestas, mas consigo. Escrevo uma carta para ti, amor que foi, e se foi; amor que
sempre será, e estará em mim. Foi ontem que eu decidi escrever essa carta para
ti. Será que ela te encontrará? Que tu a lerás? Não me iludo quanto a tua improvável
resposta.
Sempre soube que o tempo, por mais
longo, se faria nostalgicamente breve. Assim, naquela noite de agitação
inconsciente, dentro deste tempo que se esvaía e frente à derrocada dos teus
medos, dúvidas e ambivalências, eu sussurrei repetidas vezes ao teu ouvido: “Vai.
Segue o teu caminho. Fica bem!” Lembras? Quando acordei no meio da madrugada,
de sobressalto, eu soube que havias partido. Ainda pude sentir o calor do teu
corpo, a sensação da tua presença, mas eu sabia, havias partido. E não chorei,
eu sabia. Tu havias me escutado.
Falaste em partir tantas vezes, mas as crises
passavam, tu te acomodavas e ficavas. Eu me preocupava contigo, ficava triste
pelas tuas tristezas, mas tu estavas sempre tão profundamente presente e
atuante em tudo o que te circundava, que eu nunca antes pensei realmente em
despedidas.
Agora estou sozinha, fugida para me
encontrar contigo. O tempo por aqui tem se excedido em chuvas. Aguaceiro que
transborda rios, que alaga cidades e invade casas. Meus olhos estão encharcados, cansados,
tristes. Saudosos. Por aqui tem pandemia, gafanhotos, inundações, e um vazio
inominável de ti.
Engraçado, eu preferia a intimidade
da família e da casa, e tu gostavas da sociabilidade dos grupos em reuniões e
festas. Mas tu partiste só e me deixaste em meio ao acolhimento de grupos
diversos. Quem diria. Lembro com gratidão da nossa parceria, das confidências, das
nossas diferenças tão harmoniosamente administradas.
Por aqui sigo com os projetos que me apoiavas,
sigo com a vida cheia de compromissos que te queixavas, sigo simplesmente, sem
muito lembrar. Mas há momentos que se constroem inesperados, em que o soluço
pula da garganta e o choro se derrama convulsivo. Nessas horas sinto uma imensa
falta de ti, como se uma parte de mim estivesse extirpada. O ar se escassa. As
lágrimas jorram e se gastam, secam, mas nada além da exaustão impede que o
choro se acalme. Sinto falta, sinto tristeza, sinto que a vida continua apesar
da tua ausência. Então eu prossigo com os projetos que me apoiavas, prossigo
com a vida cheia de obrigações que te queixavas, e prossigo na vida,
simplesmente como deve ser.
Com certa frequência pessoas falam em
ti, mas eu não gosto de ouvi-las. Não quero que a impressão delas corra o risco
de alterar qualquer detalhe das minhas lembranças. Quero te guardar conforme as
minhas vivências, te enaltecer nas minhas fantasias, quero esquecer todos os
teus defeitos. Para mim tu sempre estarás na tua melhor versão. Adoro ver teus
olhos verdes e teu sorriso largo nas imagens gravadas na memória.
Sei que tu não voltarás para mim,
assim como eu não irei atrás de ti. Nesse momento histórico trilhamos por rumos
diferentes, mesmo assim, incomunicáveis fisicamente, percebe como eu te amo, eu
te amo tanto... E te amarei até meu último suspiro, tenha certeza disso. E a
partir do amor que não se esgota, amarei novos amores, construirei novas
relações, sofrerei decepções, enfrentarei problemas, sorrirei de encantamento. Tudo
será igual, e diferente. Tenho bagagem, eu aprendi contigo.
Amar será sempre o meu consolo
às despedidas. Eu continuarei te amando, me amando, amando os que estão e os
que virão. Fica bem, grande amor da minha vida, segue o teu caminho sem olhar
para trás, eu estou bem... E ficarei melhor. Um pouco melhor a cada novo dia
que vier.
Posso te escrever mais uma vez?
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